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Após 12 anos, regulação do saneamento básico no brasil passa por novo marco legal

A partir dessa mudança, a ANA passa a se chamar Agência Nacional de Águas e Saneamento.
Foto: Divulgação

Em 2020, o setor de saneamento passou por uma transformação com a aprovação da Lei nº 14.026, conhecida como Novo Marco Legal do Saneamento, trazendo uma série de inovações legislativas para o setor. Avaliando uma das principais mudanças causadas pela Lei, a regulação do saneamento ganhou destaque por definir a Agência Nacional de Águas (ANA) como a entidade regulatória federal com competência para editar normas de referência para a regulação dos serviços públicos de saneamento básico. A partir dessa mudança, a ANA passa a se chamar Agência Nacional de Águas e Saneamento. O Novo Marco Legal do Saneamento surge justamente em um momento em que o Brasil estaciona nos indicadores de saneamento básico: ainda, quase 35 milhões de pessoas não são abastecidas com água tratada; aproximadamente 100 milhões continuam sem os serviços de coleta de esgoto; e somente 50% do volume de esgotos gerados no país são tratados.

Diante desse cenário de mudanças para o setor de saneamento, o Instituto Trata Brasil, em parceria com a KPMG, publica o estudo “Qualidade da Regulação do Saneamento no Brasil e Oportunidades de Melhoria”, que aborda diversas frentes dos serviços de regulação no Brasil, com avaliação sobre as entidades reguladoras locais, um benchmarking internacional e um balanço sobre o benefício ao consumidor. Ao que tange os agentes reguladores estudados no relatório, foram ouvidos 15 entes regulatórios, sendo 5 Municipais; 05 Intermunicipais e 05 Estaduais. Juntos, eles regulam os serviços de saneamento para 39 milhões de pessoas (19% da população do Brasil). O material realça a importância do equilíbrio entre o poder concedente (Estados e prefeituras), prestadores de serviços (empresas de saneamento — públicas ou privadas) e os usuários, a partir do desafio imposto pelo Novo Marco Legal do Saneamento com a meta de levar água para 99% da população, e coleta e tratamento de esgoto para 90%, até 2033.

REGULAÇÃO DO SANEAMENTO BÁSICO NO BRASIL

Segundo a Constituição Federal de 1988, é de comum competência entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios a promoção de melhorias das condições habitacionais de saneamento básico. Com isso, a agências reguladoras possuem a importante tarefa de administrar regras e balancear a prestação dos múltiplos serviços públicos e privados. Os órgãos são considerados Autarquias de regimes especiais por conta da administração pública indireta visando, principalmente, o bem-estar da população.

No saneamento, a regulação foi instituída apenas em 2007, por meio do marco de definição das diretrizes nacionais de saneamento por meio da Lei nº 11.445, de 05 de janeiro de 2007. Desde então, são mais de 70 agências reguladoras no país com a competência de lidar com o saneamento básico. Não há apenas uma agência de caráter nacional, como para outras infraestruturas, isso significa que a partir da aprovação do Novo Marco Legal do Saneamento, a ANA exercerá um papel de criar normas de referências para subsidiar as agências de saneamento locais. No Brasil, as agências de saneamento básico podem ser: 01. Municipais/Distrital; 02. Intermunicipais; ou 03. Estaduais.

PRINCIPAIS RESULTADOS DO ESTUDO

01. TARIFAS E FISCALIZAÇÃO NA PANDEMIA

A pandemia do novo Coronavírus trouxe desafios para o setor de saneamento básico, sobretudo, a luz da definição de tarifas, subsídios e o debate sobre a inadimplência dos consumidores mais vulneráveis. O reajuste tarifário, cuja responsabilidade está nos entes regulatórios, assim como nos operadores de saneamento básico e governos, não aconteceu por parte de 10 agências (67%) pesquisadas no relatório.

A pandemia trouxe outro desafio: a fiscalização in loco dos serviços de saneamento básico por parte dos agentes reguladores. 100% das agências ouvidas pelo Instituto Trata Brasil e KPMG relataram dificuldades para as fiscalizações de campo, fazendo com que as mesmas adotassem modelos alternativos para realizar a atividade (envios de fotos, vídeos e relatos das empresas). “A fiscalização dos serviços de saneamento é fundamental para garantir que o acesso à água e ao esgotamento sanitário esteja sendo ofertado da melhor maneira possível aos consumidores. A partir do momento em que estas fiscalizações diretas em campo são interrompidas pela Pandemia, abre-se um questionamento se os serviços prestados nesse período foram adequados, mesmo que tenham sido adotados modelos alternativos”, explica o Presidente do Conselho do Instituto Trata Brasil, Gustavo Siqueira.

Durante a pandemia foi adotada uma legislação específica, através da qual quase todos os Estados da Federação regulamentaram a proibição de interrupção do corte de serviços e/ou a redução tarifária ou congelamento de preços. Porém, em algumas capitais não foi possível identificar lei ou decreto municipal que tenha tratado das tarifas no período de calamidade pública provocado pela pandemia da COVID-19.

Em Manaus (AM), Porto Velho (RO), Belém (PA), Boa Vista (RR), São Luís (MA), Teresina (PI), Natal (RN), Cuiabá (MT) e Porto Alegre (RS) foram publicadas leis proibindo a suspensão ou interrupção de fornecimento de serviços públicos, inclusive serviços de água e esgoto, diretamente relacionados ao estado de calamidade pública decretado pelos Estados Municípios. Em outras, como Cuiabá (MT), a nova legislação adiou processos de reajuste de tarifas dos serviços públicos, dentre eles água e esgoto. Em Rio Branco (AC), Macapá (AM), Palmas (TO), Salvador (BA), Fortaleza (CE), João Pessoa (PB), Recife (PE), Aracaju (SE), Campo Grande (MS), Belo Horizonte (MG), Rio de Janeiro (RJ), São Paulo (SP), Curitiba (PR) e Florianópolis (SC) não foi possível identificar legislação municipal a respeito de suspensão ou adiamento de reajustes tarifários.

Em alguns Estados e Municípios, foi possível acompanhar a ação direta dos reguladores sobre as alterações legislativas do momento de pandemia da COVID-19. Já em outros Municípios, como Vitória (ES), foi possível perceber a atuação sobre as tarifas provocada não pelo Poder Legislativo ou Executivo, mas diretamente pelo regulador.

02. GOVERNANÇA DOS AGENTES REGULADORES

Em estudo feito pelo Instituto Trata Brasil em 2021 com algumas agências reguladoras espalhadas pelo Brasil, “Agências Reguladoras Infranacionais quanto à atualização do Marco Regulatório do Saneamento Básico”, a interferência política se fazia presente entre quem havia respondido os questionários, ou seja, as agências reguladoras tinham os trabalhos técnicos, na maioria das vezes, interferido por decisões que extrapolavam a tecnicidade. No novo estudo, ao analisar as 15 agências pesquisadas, 60% responderam que a Presidência é um cargo que não é escolhido por eleição. As mesmas 60% responderam que o cargo da Presidência pode ser ocupado por mais de um mandato nas agências. Outro ponto relevante identificado é que 53% das agências reguladoras ouvidas afirmaram que, para assumir cargos de Diretores ou Dirigentes, os(as) profissionais não precisam comprovar experiência com o saneamento básico ou regulação.

03. PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE NA FISCALIZAÇÃO DOS SERVIÇOS DE SANEAMENTO BÁSICO

Um dos questionamentos levantados pelo estudo versa sobre o controle social, em que a população é envolvida nas discussões sobre a prestação dos serviços de saneamento básico nos municípios, principalmente ao que tange às tarifas cobradas. 80% das agências ouvidas no relatório afirmaram que os estudos tarifários passam por consultas públicas, enquanto a mesma porcentagem declara que estes estudos são apresentados em audiências públicas. No entanto, somente 47% dos entes de regulação afirmaram que são realizadas consultas públicas para os regulamentos dos prestadores. Outro ponto envolvendo o Controle Social está na transparência dos dados, onde 73% das agências dizem publicar os relatórios de fiscalização dos serviços de saneamento em site próprio. Apesar da falta de publicação dessas informações técnicas na totalidade das agências reguladoras, 100% afirmam que possuem Ouvidoria.

“A participação da sociedade na definição das tarifas e também sobre como os serviços de saneamento estão sendo fiscalizados é um pilar essencial para que o acesso à água e esgotamento sanitário seja prestado da melhor maneira possível e dentro de um valor justo para a sociedade. Ainda que mais da metade das agências reguladoras tenham respondido positivamente sobre a participação social na construção tarifária, é importante garantir que 100% das agências envolvam a sociedade no debate”, ressalta Maurício Endo, Sócio-líder de Saneamento da KPMG.

04. COMO AS AGÊNCIAS REGULADORAS PODEM GARANTIR MELHORES RESULTADOS E INTERAÇÃO COM A SOCIEDADE?

Em um dos capítulos levantados pelo estudo, foram identificadas boas práticas das agências reguladoras ouvidas para que possam servir de exemplo para outros entes reguladores, tais como:
01) Garantir a distribuição de água com qualidade, a coleta e o tratamento de esgoto;

02) Programar uma Agenda Regulatória (planejamento, fiscalizações, revisões tarifárias e outros);

03) Acompanhar a qualidade dos serviços através de indicadores de saneamento;

04) Incentivar a pesquisa e o desenvolvimento para modernização do setor de saneamento;

05) Capacitar as equipes dos prestadores de saneamento através de treinamentos continuados;

06) Garantir a disponibilidade de água para atual e futuras gerações.

4.1 — EXPERIÊNCIAS COM QUATRO AGÊNCIAS REGULADORAS DISTINTAS

Todas as mudanças provocadas a partir do Novo Marco Legal do Saneamento têm impacto na população e nas agências reguladoras, que possuem um papel essencial na relação entre o prestador de serviços e os consumidores. Para analisar essa relação, foram selecionadas quatro agências reguladoras no estudo para identificar os ganhos trazidos ao consumidor por meio da promoção do equilíbrio entre as partes interessadas: poder concedente, prestador de serviços e usuários. Foram escolhidas duas agências reguladoras de saneamento notadamente reconhecidas pela atuação voltada aos direitos dos usuários: ARSAE-MG, em Minas Gerais, e ARSESP, em São Paulo. Outras duas agências federais de setores mais maduros e consolidados foram selecionadas para identificar possíveis aspectos de benchmarking: ANATEL e ANEEL.

O atendimento ao consumidor se tornou cada vez mais importante para essas agências ao longo do tempo e elas buscaram aperfeiçoar seus mecanismos de atendimento ao público constantemente. As Ouvidorias de três das agências avaliadas, ANATEL, ANEEL e ARSAE-MG, atuam como terceira instância, ou seja, o usuário deve entrar em contato, primeiramente, com o prestador de serviço a quem deseja registrar sua manifestação para solução da demanda, depois falar na Ouvidoria do próprio prestador, contando com a Ouvidoria da agência em último caso.

As dúvidas, reclamações, sugestões ou denúncias dos consumidores servem como base para as agências reguladoras agirem e estabelecerem punições aos prestadores de serviços por conta de demandas não atendidas como forma de estímulo para resolução de problemas. A ARSAE-MG, em relação ao tempo de resposta, possui uma resolução que estabelece o prazo de 30 dias, sendo que atualmente o tempo médio é de 10 dias. Além disso, possui uma resolução que trata de sanções, apesar de não ter ocorrido aplicação relacionada a esse tema. A ARSESP possui a previsão da aplicação de penalidade por ausência de resposta ao SAU-ARSESP, conforme artigos 38 e 39 da Deliberação ARSESP nº 947/2019, ou pelo descumprimento de normas setoriais.

A ANEEL mencionou realizar punições sobre as demandas que não são atendidas ou respondidas dentro do prazo. Já a ANATEL relatou a ocorrência de multas e diversas outras penalidades que não promoveram necessariamente a melhoria dos resultados observados. A principal tendência dessa Agência é a divulgação dos indicadores aferidos ao público consumidor. Dessa maneira, as empresas são incentivadas pelos próprios usuários, uma vez que quanto mais conhecimento a sociedade tem a respeito dos serviços, mais as empresas tornam-se responsáveis pelo cumprimento de suas obrigações.

A divulgação de dados sobre a qualidade dos serviços prestados é um dos mecanismos que contribuem para melhoria dos serviços por parte dos prestadores. Na ARSAE, o IDE-Sisema é uma plataforma para disseminação de dados geoespaciais das atividades do Sistema Estadual do Meio Ambiente (Sisema) de Minas Gerais. Especificamente sobre a regulação do saneamento da ARSAE, o IDESisema permite a transparência e conhecimento da sociedade acerca de dados da prestação dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário, tais como: cidades abrangidas, número de reclamações, cobertura dos serviços de água, racionamento, perdas de água, paralisações, análises de água, cobertura e tratamento dos serviços de esgotamento sanitário.

Para a ARSESP, os resultados dos diversos indicadores contratuais e normas possibilitam ao agente regulador identificar comportamentos e tendências através do Índice Geral de Qualidade (IGQ). Como resultado são propostas ações regulatórias para corrigir desvios que prejudiquem a prestação dos serviços: novos atos normativos, fiscalizações, aplicação de penalidades, estímulos tarifários, etc.

As agências utilizam instrumentos tradicionais de participação social como consulta pública, audiência pública, atendimento personalizado presencial, plataforma de serviço de informação ao cidadão e Ouvidoria. Além disso, trazem práticas inovadoras como webinars, podcasts, divulgação de dados sobre a qualidade dos serviços, treinamentos, entre outros recursos. A participação social aplicada às atividades e processo de tomada de decisão das agências reguladoras da pesquisa caracteriza-se pela integração dos consumidores às atividades da regulação. Sua importância está relacionada pela associação de diferentes forças e papéis sociais propiciados pela inclusão das múltiplas opiniões advindas da mobilização de quem de fato faz uso dos serviços das infraestruturas reguladas, portanto, o usuário tem que ser bem-posicionado nessa relação entre agências reguladores, prestadores e concedentes.

05. PAPEL DOS ÓRGÃOS DE CONTROLE

Os órgãos de controle, como Ministério Público e Tribunais de Contas, detém competência para fiscalização das contas públicas, dentre elas os contratos e tarifas dos serviços públicos, no que se refere especificamente ao erário (conjunto dos recursos financeiros públicos). Em pesquisa de decisões, não foi possível encontrar atuação desses órgãos. Contudo, na maioria dos Estados foi possível identificar orientações e enunciados dos órgãos de controle, aqui acrescentado o PROCON e Defensorias Públicas estaduais, em razão de os usuários dos serviços de saneamento estarem também sob sua jurisdição, no sentido de adequação das tarifas em razão da realidade de pandemia.

É importante mencionar que não foi possível verificar uma articulação nacional da parte dos órgãos de controle quanto à atuação em relação à legislação que impediu o corte de serviços essenciais durante a pandemia da Covid-19. Sua preocupação foi mais focada na proteção dos consumidores e não houve questionamento sobre aplicação das leis estaduais ou sobre medidas adotadas pelos reguladores, questionando a suspensão de paralisação do fornecimento dos serviços.

Como exemplo, em São Paulo, o Ministério Público do Estado orientou a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo — SABESP, assim como a Enel Distribuição São Paulo, que deixassem de suspender o fornecimento de água e energia elétrica por inadimplência ou qualquer outro motivo, enquanto perdurassem as medidas de restrição regular das atividades econômicas em razão da pandemia.

Por fim, especificamente com relação às normas de referência, é importante analisar como a crise sanitária pode contribuir para uma visão mais ampla de cenários emergenciais. Desse modo, a possibilidade de previsão de soluções de crise em normas de referência pode ser um instrumento relevante de salvaguarda da segurança jurídica desses contratos. Analisando a crise como um todo, os órgãos reguladores em muito podem contribuir como entes independentes entre poder concedente, prestador de serviços e usuário, de forma a buscar soluções eficientes que não comprometam a prestação do serviço para o futuro.

CONCLUSÃO

A regulação do saneamento é relativamente nova. Apesar da sua definição em 2007, 11 anos após a criação da primeira agência reguladora no país, é necessário ponderar que o tema passou a ter mais destaque com a instituição do novo marco legal do setor, por meio da Lei nº 14.026/2020. Considerando esse novo olhar para os papéis, arranjos, instrumentos e resultados, o momento é oportuno para a implementação de mudanças para um novo saneamento e, portanto, uma nova regulação.

“Mais do que disponibilizar Ouvidorias e realizar consultas e audiências públicas, as agências reguladoras podem caminhar para uma regulação em que a sociedade também assume a responsabilidade cidadã de acompanhar os resultados dos serviços prestados, e assim, possibilita a eficácia e eficiência do saneamento”, conclui Gustavo Siqueira.

“A transformação do setor de saneamento depende da regulação. Entender como as agências reguladoras se comportaram nos piores momentos da Pandemia, e como elas enxergam a própria relação com os consumidores e concessionárias foi fundamental para criarmos um espaço de estudos e diálogos a fim de garantir a universalização do saneamento básico mais rápido”, destaca Maurício Endo.

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