Todo amazonense gosta de uma boa farinha, principalmente a famosa “farinha ovinha” de Uarini (município a 564.44 quilômetros de Manaus). No Amazonas, entre os municípios que fabricam o item comum no prato do “caboclo” do interior, a Terra da Castanha, Tefé, a 522 quilômetros de Manaus, também tem o ponto “forte” na produção da farinha. No entanto, todo processo de desenvolvimento do produto tem seus desafios.
Com a farinha amarela não é diferente. Existem desafios para a extração. É o que acontece nas comunidades da Emade e da Agrovila, localizadas na zona rural de Tefé. Os pólos da produção na cidade concentram muitos agricultores que produzem a farinha ovinha, tanto para venda no município, quanto para as outras 61 cidades do Amazonas.
Os produtores rurais de Tefé acordam cedo para produzirem a farinha, porque muitos sítios (terreno onde está localizada a casa de farinha) são longes para se deslocar. É o caso da agricultora, Eliane Carvalho, 39 anos, que passa aproximadamente 15 minutos remando, e 1h caminhando até a casa de farinha.
“Temos que sair cedo. Porque se chegarmos tarde não vai dar para fazer tudo que tem para fazer. Agora, está cheio o rio, para não caminhar por dentro da água, é melhor ir de canoa até a terra firme, de lá, caminhamos até a casa de farinha”, narrou Eliane Carvalho.
A reportagem do Em Pauta Online (EPO), acompanhou a agricultora desde o deslocamento da sua residência até a casa de farinha.
As 5 horas, já arrumada, a agricultora Eliane Carvalho tomando o café preto com pão, contou que tem dias que dorme na casa de farinha com os filhos e o esposo, para fazer “farinhada”, porque o seu sítio é muito longe para ficar indo e vindo.
“Passamos uma hora andando para o sítio, fora para sair da cidade até a comunidade da Agrovila. Quando estávamos fazendo “farinhada” e meu marido está caçando para nós comer, é melhor dormir no sítio mesmo”, relatou a agricultora.
Produção da farinha
Ao Em Pauta Online, Eliane Carvalho relatou que faz, juntamente com a família, o cultivo da mandioca para produzir a farinha.
“A gente roça, derruba, espera passar 30 a 45 dias, tira a maniva e planta. Após três a quatro meses, realizamos a primeira capinação da plantação. Sendo assim, depois de 8 a 9 meses, fazendo a segunda capinação na plantação da mandioca. Quando completa um ano e dois meses, começamos a arrancar, período em que a raiz está com uma batata grossa, no ponto de fabricar a farinha”, contou à Reportagem do Em Pauta Online, a agricultora.
A agricultora explicou que após arrancarem as raízes da mandioca, as “decotam” (cortam), colocam dentro de sacos de 50 quilos (saco de trigo), carregam até o igarapé, onde passa o período de quatro dias de molho (dentro da água).
“Após quatro dias, a gente descasca a mandioca, e levamos para a banca para cevar. Quando terminamos, levamos até a prensa. Vendo que a massa está seca, vamos peneirar, para tirar as talas das raízes”, explicou Eliane Carvalho sobre o procedimento da produção da farinha.
Eliane Carvalho disse que depois da massa peneirada, passa pelo embolador (instrumento feito com balde, que gira a 360 graus), momento que a farinha fica ovinha. É ele que faz ela ficar bem enroladinha.
“Ela vai ficar bem enroladinha. Quando terminamos de enrolar a massa no embolador, vamos levar ao forno. Nesta fase, vamos passar mais uma vez na peneira, porém desta vez, no forno, sem amassar a farinha (ainda crua), em quantidade pequenas. No forno quente, vamos colocar de sete a 8 peneiradas. Vamos aguardar escaldar a farinha. Depois colocamos, novamente, mais peneiradas. Essa “fornada” vai murchar, dessa maneira, vamos entender que a farinha está no ponto de torrar”, disse Eliane Carvalho.
Forno Mecânico
Entrou como uma nova tecnologia aos agricultores, o forno mecânico, onde está adaptado para ficar em cima do forno, com movimentos de 360 graus, onde ajuda bastante na produção da farinha.
A Reportagem do Em Pauta Online, observou na produção, que após escaldar a farinha, os agricultores passaram a massa escaldada para o forno mecânico. No forno mecânico fica um agricultor fiscalizando se tudo está ocorrendo bem. O produtor faz movimentos repetitivos, conforme o forno, mexendo a farinha com uma vassoura de cipó.
A agricultora destacou que a fornada passa em média de 45 minutos a uma hora no forno. Onde vão passar este tempo mexendo a farinha, para não queimar. Depois de pronta esperam esfriar, para poder fazer o procedimento da retirada dos “talos”, deixando apenas a farinha ovinha.
“Quando colocamos na saca de 50 quilos, andando ligeiro (rápido) conseguimos chegar na canoa em 45 minutos. Agora, andando devagar, passamos uma hora. Para chegarmos na comunidade da Agrovila vamos remando na canoa. Para vender, pegamos um caro pago, no valor de R$ 8 reais por pessoa, e saco de farinha. O ônibus da Prefeitura não está entrando, e nem leva nossa produção”, destacou a agricultora.
Eliane Carvalho declara que às vezes são obrigados a vender a produção para os atravessadores (negociantes da farinha) por um preço barato, porque eles tomaram conta do ponto de venda dos produtores no município. E atualmente, os produtores rurais não tem um local para realizar as vendas.
Desvalorização
A agricultora Eliane Carvalho afirma que a farinha não é valorizada, e dá muito trabalho para produzir. O período de fabricação é longo, e para vender, o comprador quer jogar um valor baixo.
“Não compensa, trabalhar tanto, e não ser valorizado. Somos profissionais também. Passamos muito tempo cuidando da terra, da plantação, da produção e quando chega o momento da venda, não querem pagar nosso preço. É complicado”, afirmou a agricultora.
Sonhos
Eliane Carvalho apontou que realizou o sonho de ter a casa própria com a produção de farinha. A agricultora já passou por mais de cinco cirurgias, entre cisto e mioma, mas não deixou de ir produzir a farinha, porque é de onde tira seu ganha pão.
Com o Ensino Médio Completo, Eliane Carvalho tem um sonho de ser médica. Mas acredita que passou da idade para estudar, mas se pudesse faria medicina.
“Sempre quis ser médica. É um sonho desde criança, mas é difícil. Eu sei que não é impossível. Somos capazes de muitas coisas. Os anos estão passando. A idade não dá mais”, disse a agricultora enquanto andava 1 quilômetro até a roça, local onde fez a plantação da mandioca.
Negócio da família
A mãe de Eliane, Luiza Martins, 67 anos, também é agricultora. Luiza teve 13 filhos, sete trabalham produzindo farinha na comunidade da Agrovila. A agricultura é o negócio da família.
Casa de farinha fluvial
Após a nova tecnologia do forno mecânico, que agiliza a produção, a terra da Castanha também tem casa de farinha fluvial. A reportagem do Em Pauta Online registrou uma casa de farinha em um flutuante na frente da cidade. Vale ressaltar que nem todas casas de farinhas da comunidade da Agrovila tem um forno mecânico.
Tecnologia
De acordo com o Sistema de Inteligência Estratégica da Embrapa, um dos problemas da agricultura é a grande desigualdade de produtividade, ou seja, a renda, atribuindo ao fato de a maior parte dos pequenos produtores não adotarem novas tecnologias. No entanto, é consequência de inúmeros fatores, como o elevado custo de incorporação das novas tecnologias, baixa escolaridade e carência de políticas públicas.
“Brasil não é um país pobre”
Durante entrevista com a reportagem do Em Pauta Online, o cientista político Carlos Santiago disse que o Brasil não é um país pobre, é injusto, com uma população pobre.
“O Brasil é um país extremamente excludente, desde da sua criação. Em que existe toda uma cultura para excluir, da educação superior, de cargos importantes, de espaços do conhecimento, grupos sociais, como os negros, os indígenas, como uma parcela significativa da população humilde, que além de não ter direitos básicos, como alimentação, educação, segurança, habitação e renda, sequer consegue disputar uma vaga no ensino superior, ainda mais em curso como medicina, direito, engenharia, mesmo que haja uma cota direcionada para esta população”, explicou o cientista político.
Para especialista, a população humilde além de conquistar um espaço no ensino superior terá que lutar pela sobrevivência do dia-a-dia. E mais cotas destinadas às pessoas, os municípios, do Amazonas, por exemplo, terão que passar por uma reavaliação, porque filhos das elites locais acabam tomando a vaga das pessoas simples e humildes.
“Muitos filhos da classe dominante dos municípios, quando fazem cursos importantes para a cidade, como medicina e direito, não retornam a cidade, acabam ficando na capital. Com isso, distorce o grande princípio que é levar qualificação para as pessoas simples do interior. E que elas fiquem lá para trabalhar para melhorar sua vida e da coletividade”, afirma o especialista.
Carlos Santiago destaca que no Brasil existe uma lógica perversa, elitista, excludente, patriarcal, violenta, em que se cria ou acaba criando pessoas descartáveis.
“Pessoas sem perspectivas futuras, que são excluídas não somente da economia, mas também da educação superior. Principalmente, as pessoas mais vulneráveis, mesmo que estabeleça cotas para estas. Essas cotas não são efetivas no seu princípio, porque falta ajuda financeira, condições para estudar. Acaba que os filhos das elites dos municípios tomem conta da vaga, e muitas vezes não dão retorno, porque acabam se fixando na capital”, disse Carlos Santiago.
O especialista relatou que o Brasil é muito rico, do ponto de vista cultural, mineral, econômico, mas possui uma parcela da população enorme excluída para riqueza nacionais e do conhecimento.
“Falta de incentivo”
O economista e empresário, Hissa Abrahão, apontou ao Portal Em Pauta Online (EPO) que a farinha ovinha, muito conhecida no maior Estado brasileiro, não é conhecida no País, e vem perdendo seu espaço.
“É uma boa saber que o Mercado Livre está vendendo farinha ovinha, mas no Norte a farinha ovinha (muito demandada) perdeu muito espaço para farinha branca do Acre, especificamente, de Cruzeiro do Sul. Tanto Amazonas quanto Pará, compram para revenda a farinha do Acre”, apontou o economista.
Hissa Abrahão destaca que a farinha ovinha de qualidade, bem limpa e com a granulação bem uniforme está em falta em Manaus. Devido a falta de incentivo na produção, e principalmente, no escoamento.
“Também não há uma propaganda forte sobre o produto, toda a publicidade é baseada em gerações e costumes, não se vê publicização nem local e nem nacional do produto”, afirma Hissa Abrahão.
O economista explica que o produto não perdeu força, a farinha ovinha conseguiu se consolidar no mercado doméstico, mas falta ter força para ampliar para o Norte e para o mercado nacional .
“No sul e Sudeste as pessoas não conhecem. A farinha ovinha não vai deixar de existir. Ela precisa de incentivo, participar de feiras de degustação nacional, internacional e publicidade”, declarou Hissa Abrahão.
“muito conhecida no Amazonas, não é conhecida no Brasil”
Ao Portal Em Pauta Online (EPO), o economista e empresário, Hissa Abrahão, aponta que a farinha ovinha, muito conhecida no Amazonas, não é conhecida no Brasil, e vem perdendo seu espaço.
“É uma boa saber que o Mercado Livre está vendendo farinha ovinha, mas no Norte a farinha ovinha (muito demandada) perdeu muito espaço para farinha branca do Acre, especificamente, de Cruzeiro do Sul. Tanto Amazonas quanto Pará, compram para revenda a farinha do Acre”, apontou o economista.
Hissa Abrahão destaca que a farinha ovinha de qualidade, bem limpa e com a granulação bem uniforme está em falta em Manaus. Devido a falta de incentivo na produção, e principalmente, no escoamento.
“Também não há uma propaganda forte sobre o produto, toda a publicidade é baseada em gerações e costumes, não se vê publicização nem local e nem nacional do produto”, afirma Hissa Abrahão.
O economista afirma que a farinha não é que perdeu força. “A farinha ovinha conseguiu se consolidar no mercado doméstico, mas faltou ter força para ampliar para o Norte e o Mercado Nacional. No sul e Sudeste as pessoas não conhecem”, afirmou Hissa.
Mercado Livre
A farinha ovinha vem sendo vendida, inclusive, no Mercado Livre, agora, brasileiros que pedem pela internet na plataforma podem garantir sua farinha.
Com divulgação em âmbito nacional, a farinha ovinha vem ganhando espaço no mercado brasileiro dos alimentos, como dizem os amazonenses “Telezé, tá cheia de Pavulagem”. Claro, o valor da farinha amazonense na plataforma vai mudar.
Se os brasileiros de outros Estados solicitarem a farinha ovinha do Amazonas, a demanda vai fomentar a economia do produto no Estado, logo, vai “morrer de colar”. Se a divulgação local e nacional for aquecida, logo, a famosinha do interior “farinha ovinha de Uarini” vai ter publicização, contribuindo com trabalho e valorização dos agricultores.
Importância Social
Conforme o Relatório de Atividade do Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal Sustentável do Estado do Amazonas (RAIDAM), de 2022, a cultura da mandioca é apontada como uma atividade de significativa importância social e econômica, que envolve mais de 65 mil agricultores familiares e produtores rurais nos 62 municípios do Estado.
“A cultura da mandioca faz parte dos Projetos Prioritários do Idam, tendo como área de abrangência os municípios de: Amaturá, Atalaia do Norte, São Paulo de Olivença, Santo Antônio do Içá, Tabatinga, Tonantins, Alvarães, Fonte Boa, Japurá, Juruá, Jutaí, Maraã, Tefé, Uarini, Lábrea, Tapauá, Carauari, Eirunepé, Envira, Guajará, Ipixuna, Itamarati, Borba, Manicoré, Novo Aripuanã, Barcelos, Santa Isabel do Rio Negro, São Gabriel da Cachoeira, Careiro, Manacapuru, Manaquiri, Novo Airão, Nova Olinda do Norte, Boa Vista do Ramos, Nhamundá, São Sebastião do Uatumã e Urucará”, afirmou o RAIDAM de 2022.
O Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal Sustentável aponta, ainda, que os maiores produtores de farinha de mandioca são: Manacapuru (30,6 mil toneladas), Tefé (23,8 mil toneladas) e Manicoré (7,5 mil toneladas).
Assistência técnica e extensão rural
À reportagem do Portal Em Pauta Online, o instituto informou que o Governo do Amazonas, por meio do Idam, e de seus 73 escritórios presentes em todos os municípios do Estado, presta serviços de assistência técnica e extensão rural aos agricultores familiares e produtores rurais do estado, desenvolvendo ações e atividades voltadas ao setor agropecuário, destacadamente, na cadeia produtiva da mandioca, com serviços de visita técnica, reuniões, palestras e capacitações, nas tecnologias disponíveis pelas pesquisas, elaborando projetos para financiamento da atividade, entre outras.
Escoamento da produção
O Idam relatou ao Em Pauta Online, que não viabiliza diretamente o escoamento da produção, tendo por objetivo ofertar serviços de assistência técnica e extensão rural.
“Entretanto, a autarquia apoia o produtor através da elaboração de projetos técnicos para associação e cooperativas de agricultores para aquisições de veículos terrestres e fluviais para realizar o escoamento da produção da farinha, junto a entidades como o Fundo de Promoção Social, Fundação Banco do Brasil e outros editais, bem como elabora projeto de crédito rural destinado à aquisição de veículos pelos beneficiários dos serviços de Ater”, frisou o Instituto.
Incentivos na produção
O IDAM relata que sobre Projeto Prioritário da Mandioca, no período de 2019 a 2022, o instituto realizou as seguintes atividades: divulgação, seleção, cadastro de beneficiários, reuniões técnicas, visitas técnicas, implantação de três unidades demonstrativas sobre cultivo tecnificado da cultura, cinco cursos sobre boas práticas de fabricação de farinha de mandioca e seus derivados, diversas demonstrações de métodos sobre seleção, preparo, corte de manivas sementes, abertura de covas, adubação, plantio, colheita, lavagem, fermentação da raiz e classificação da farinha de mandioca, duas palestras, uma sobre cultivo e sustentabilidade, e outra sobre a importância dos produtos e subprodutos derivados da mandioca na alimentação humana. Ademais, assistidos pelo Idam: 9.425 agricultores e pela estimativa do Estado: 65.610 agricultores.
À reportagem do Em Pauta questionou sobre o mecanismo de vendas da farinha no estado e o reconhecimento, o IDAM frisou que a produção de farinha no Amazonas é destinada, principalmente, ao autoconsumo das famílias produtoras, tendo como seu excedente comercializado na sede do município diretamente nas feiras e em comércios locais, assim como o abastecimento do mercado consumidor de Manaus.
“Vale ressaltar alguns tipos diferenciados de farinha produzidas no Estado como a farinha branca produzida e comercializada nas regiões do Purus e Juruá, cujo excedente é comercializado para os estados do Acre e São Paulo. A farinha do tipo ova produzida nos municípios de Uarini, Alvarães, Tefé e Maraã ganhou selo de Indicação Geográfica (IG), em 2019, e isso fez com que despertasse interesse, atraindo atenção de renomados chefes da gastronomia nacional e internacional”, declarou o IDAM ao Em Pauta.
Foto: Alessandra Aline Martins
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