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Homem prova inocência e é absolvido mais de dois anos após ser preso por homicídio

Atuação de defensor público evitou que mototaxista que transportou assassino sem conhecimento do crime fosse condenado injustamente

Da redação 

Que valor tem a verdade? Para o mototaxista José (nome fictício), 22, tem valor de liberdade. No dia 09 de abril deste ano, ele voltou a ser um homem livre depois de mais de dois anos preso, acusado de um assassinato que não cometeu. José foi absolvido após provar a verdade: transportou um passageiro ao acaso, sem conhecimento de que este cometeria um homicídio.

O mototaxista contou com a assistência do defensor público Sérgio Enrique Ochoa Guimarães, que atua no polo da Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM) em Itacoatiara e que o ajudou a sustentar sua inocência e a reunir provas.

“O tempo em que fiquei preso foi muito ruim, para mim e para a minha família, porque eu não tinha nada a ver com o que aconteceu. Era muito difícil a minha vida lá. Sofri ameaças. Ficava numa cela às vezes com 10, 12 pessoas. Eu orava e chorava todos os dias. Não peço nem para o meu maior inimigo aquele lugar. Aquele lugar não é para ninguém”, conta José, relembrando os anos de prisão. 

Dia 2 de janeiro de 2015. José trabalha como mototaxista em Itacoatiara quando é abordado na rua por um passageiro. O homem pede que José o transporte até uma residência e que o espere para fazer o caminho de volta. O mototaxista não vê a cena, mas o homem invade a casa e mata a tiros um adolescente que estava reunido com amigos no quintal. O passageiro retorna e sobe na garupa da moto dizendo “matei o cara ali”. O mototaxista ainda pede que o homem saia, diz que não vai transportá-lo, mas é ameaçado com a mesma arma que acabou de ser disparada.

Em 2016, o autor dos disparos é preso e cita o apelido pelo qual o mototaxista é conhecido na cidade. José também é preso. Na delegacia, o mototaxista fala a verdade. Mas, levado para o mesmo presídio em que está o autor do crime, sofre ameaças constantes e muda o depoimento em audiência em juízo. Diz que não transportou o autor dos disparos e o tira da cena do crime. Outras três testemunhas que presenciaram o homicídio também mudam suas versões e o próprio autor do crime passa a negar a autoria.

“O fato de todos mudarem seus depoimentos causou estranheza. Até na promotoria. Era um indício de coação e de que todos mentiam. Só não se sabia ao certo qual das versões era mentira”, comenta o defensor Sérgio Ochoa.

O tempo passa e José faz o que pode para sobreviver na cadeia, onde o autor do crime tem alianças e certa influência. “Tinha medo pela minha família, pelos meus filhos. Tenho três, dois meninos, de 9 e cinco anos, e uma menina de 1 ano e 10 meses, que nasceu enquanto eu estava preso. Minha família até passou dificuldades financeiras”, lembra.

A audiência de julgamento no Tribunal do Júri é marcada para o dia 28 de novembro de 2018. Antes da data, porém, em maio de 2018, mototaxista e autor do crime são colocados em liberdade com uso de tornozeleiras eletrônicas devido ao excesso de prazo, pois já estavam presos há muito tempo. E assim aguardam o julgamento. José continuou sofrendo ameaças.

Alguns dias antes da audiência, preocupado com o julgamento, o mototaxista procura a Defensoria para saber quem faria sua defesa e é atendido pelo defensor Sérgio Ochoa. Durante a conversa com José, o defensor nota que a história contada casa com o primeiro depoimento de José, em que diz que apenas foi abordado na rua como mototaxista e que levou o autor dos disparos ao local do crime sem saber de sua intenção.

“É muito difícil alguém confiar na gente, mas ele, o defensor, confiou. E disse que era para eu dizer a verdade. Foi um ótimo defensor que me ajudou. Na Defensoria, a palavra da gente tem valor”, afirma José. 

Durante a conversa com o defensor, o mototaxista conta que mudou seu depoimento porque foi ameaçado. O defensor o convence de que contar a verdade seria o melhor caminho para tentar provar sua inocência e se compromete a buscar um diálogo com a promotora do caso. José o acompanha nesse encontro.

“Esse foi um passo muito importante, porque com a presença de José na conversa e os relatos dele, a promotora pode atestar a boa-fé. Isso, aliado ao fato de que ela acompanhava o processo e também já havia estranhado as mudanças nos depoimentos de todos os envolvidos, contribuiu para que a promotora se convencesse da nossa alegação”, afirma o defensor Sérgio Ochoa.

No dia marcado para o julgamento, 28 de novembro de 2018, o advogado do autor do crime pede o adiamento da audiência alegando que no mesmo dia ocorre a eleição para a presidência da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção Amazonas (OAB-AM). A audiência é remarcada para o dia 09 de abril de 2019.

Reviravolta

Aqui se dá a reviravolta definitiva. Após o adiamento da audiência, no mesmo dia, o autor do crime vai à casa do mototaxista e encontra apenas alguns familiares. Dizendo que foi orientado a ir até lá pelo advogado, que tem acesso ao endereço das partes do processo, o autor do crime diz em tom de ameaça que o mototaxista tem que falar no julgamento que não o transportou ao local do crime. Um dos familiares de José grava toda a conversa e o vídeo é levado à promotoria, que imediatamente o anexa como prova e pede a prisão do acusado. A prisão é cumprida na manhã seguinte.

Diante das provas, das condutas do mototaxista e do autor do crime, a promotoria emite parecer pela absolvição de José e condenação do outro réu. Durante o julgamento, o autor dos disparos acabou confessando o homicídio e finalmente contou a verdade sobre o mototaxista, que apenas foi seu passageiro e que este não tinha conhecimento do crime. Ele foi condenado a 14 anos de prisão em regime fechado por homicídio qualificado. E José, que ainda usava tornozeleira eletrônica durante o julgamento, foi totalmente absolvido. 

“Quando saiu o resultado dos jurados, eu senti um arrepio e vontade de chorar. Agradeci muito ao defensor e ao juiz. Foi uma alegria muito grande. Aquele peso que estava sentindo dentro de mim acabou. Nunca perdi a esperança. Tinha tanta fé em Deus, que estava confiante de que ele estava comigo porque eu estava falando a verdade”, disse José, agora em liberdade e já sem tornozeleira.

José diz que agora só pensa em recuperar o tempo que perdeu na prisão ao lado da família, aproveitando a liberdade. “Logo que saí da cadeia, até estranhei a claridade, porque lá era tudo fechado. Poder olhar o sol amanhecer e escurecer é lindo demais. Tem que valorizar. Agora só quero passar mais tempo com a minha família, passei a valorizar mais, a respeitar mais meus pais. Quero encarar a vida, conquistar as coisas com meu suor, sendo honesto. É bom demais ter liberdade”, concluiu. 

 

Com informações da Defensoria Pública 

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