Chegou-se ao ponto em que — ironia das ironias — até a tropa de choque de políticos bolsonaristas ocupa as redes cobrando providências e promessas não cumpridas. A crise mais recente, a do Pantanal, que já teve mais de 700 000 hectares atingidos por incêndios desde o início do ano (o pior semestre em mais de duas décadas), fez arder de vez a fogueira das críticas. “A destruição do Pantanal tem a digital do governo petista”, postou em suas redes o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). “Cadê Lula, que ia salvar o meio ambiente? Cadê Marina, os artistas e lacradores que atacaram Bolsonaro tão injustamente?”, questionou, de forma habitualmente distorcida, a deputada Carla Zambelli (PL-SP). Entre a população, o sentimento é de que há muito discurso e pouca ação nessa área. Pesquisa Datafolha divulgada na última terça, 2, mostrou que 41% dos brasileiros acreditam que o Executivo não está fazendo nada para lidar com os impactos das mudanças do clima e 34% acreditam que faz menos do que deveria.
É um grande desafio reverter essa percepção quando há números muito desfavoráveis. Segundo levantamento do MapBiomas, referência no monitoramento ambiental, dos seis principais biomas do país, três apresentaram aumento do desmatamento durante a atual gestão (incluindo-se aí o Pantanal). Uma das situações mais problemáticas da atualidade é a do Cerrado. No ano de estreia do novo governo, o ritmo do desmatamento no bioma ultrapassou o da Amazônia pela primeira vez, totalizando mais de 1 milhão de hectares e aumento de 67,7% em relação a 2022. Além disso, enfrenta a pior seca em 700 anos, como mostrou um estudo da USP. Dados do Inpe apontam tendência de queda do desmatamento em 2024, com redução de 15% nos alertas no primeiro semestre. Os números, no entanto, ainda preocupam.
Para piorar, servidores ambientais do Ibama, ICMBio, Serviço Florestal Brasileiro e Ministério do Meio Ambiente entraram em greve no começo deste mês por melhores salários e condições de trabalho. Já são mais de seis meses de negociação, com parte das atividades suspensa, inclusive ações em territórios indígenas e outras áreas sensíveis. “O movimento começou com força e já afeta vários setores estratégicos”, afirma o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho. “Obviamente, a gente está bastante ansioso, com muita esperança de que saia um acordo nos próximos dias.”
Outro ponto que gera desgaste para o atual governo é o comportamento dúbio adotado em relação à transição energética. Enquanto Marina Silva e o Ibama criticam a política de exploração de petróleo, a Petrobras tenta obter autorização para explorar a Margem Equatorial, que se estende do litoral do Rio Grande do Norte ao Amapá. O principal alvo de polêmica é o bloco 59, que fica na bacia da foz do Amazonas, uma área bastante sensível. O Ibama negou em maio de 2023 a licença para pesquisas destinadas a verificar a viabilidade dessa operação. A Petrobras recorreu e o caso ainda não teve um desfecho. Nesse meio-tempo, aumentaram as pressões sobre o órgão ambiental para liberar o trabalho. O próprio presidente encontra-se nessa linha de frente. “Enquanto a transição energética não resolve o nosso problema, o Brasil tem que ganhar dinheiro com esse petróleo”, disse Lula no mês passado. O caso despertou críticas de ambientalistas e deixou Marina isolada no governo. “É contraditório querer ser uma liderança ambiental no mundo e intensificar a produção de petróleo. Não combina”, opina Suely Araújo, ex-presidente do Ibama e coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima.
De forma a reagir em meio a tantas críticas, o governo tem tentado demonstrar que, a despeito das dificuldades e do passivo ambiental encontrado, está atuando numa direção correta e efetiva. No caso do Pantanal, cerca de 85% dos focos de incêndio estão localizados em áreas privadas e todos foram causados por ação humana, segundo nota técnica do Laboratório de Aplicação de Satélites Ambientais da Universidade Federal do Rio de Janeiro. A ministra Marina Silva afirmou que dezoito casos são investigados pela Polícia Federal. Para conter a crise, o governo montou uma sala de situação coordenada pela Casa Civil, colocou cerca de 500 funcionários em campo, incluindo brigadistas do Ibama, integrantes da Força Nacional e bombeiros, além de catorze aeronaves e oito embarcações. Lula também assinou um pacto com governadores para combater os incêndios.
Embora acumule números negativos no Pantanal e no Cerrado, o governo atual conseguiu reduzir o desmatamento na Amazônia em 62,2% e na Mata Atlântica em 59% em 2023 e retomou políticas abandonadas na gestão anterior. Na política externa, o governo emitiu vários bons sinais ao avançar na assinatura de acordos, na conquista do direito de organizar a COP30 e na retomada de parcerias internacionais. Segundo boa parte da população, no entanto, tais avanços não afastam a percepção de que o poder público federal é omisso na fiscalização e lento na tomada de medidas emergenciais, entre outros problemas. Para um governo que desejava transformar em vitrine sua política de meio ambiente, a área hoje virou uma incômoda vidraça.
Envie seu comentário