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Aborto e ensino de gênero estarão na mira dos evangélicos no STF em 2022

Entre os casos em aberto na Corte, à espera de julgamento, há um processo que pede a descriminalização do aborto, três ações que tratam da abordagem de questões de gênero nas escolas e um pedido contra a exigência dos termos ...
Imagem: Reprodução/Catedral Baleia

Acostumados a atuar em pautas de costumes no STF (Supremo Tribunal Federal), líderes e juristas evangélicos tiveram um ano atípico em 2021. As atenções do grupo se voltaram à defesa de atividades presenciais em igrejas durante a pandemia, no primeiro semestre, e à nomeação de André Mendonça no segundo, uma luta que só acabou com a posse do novo ministro, cinco meses depois de sua indicação pelo presidente Jair Bolsonaro (PL).

Para o ano de 2022, o foco dos evangélicos deverá retornar a questões de educação, liberdade religiosa e direitos de minorias. Entre os casos em aberto na Corte, à espera de julgamento, há um processo que pede a descriminalização do aborto, três ações que tratam da abordagem de questões de gênero nas escolas e um pedido contra a exigência dos termos “pai” e “mãe” em documentos públicos.

Principal entidade evangélica a atuar em processos no Supremo, a Anajure (Associação Nacional de Juristas Evangélicos) apoiou a chegada de Mendonça à Corte desde antes de o ministro ser indicado ao cargo em julho. A instituição afirma, porém, que não espera dele uma atuação pautada pela religião.

“Quando nós recomendamos o doutor André Mendonça, não foi pelo fato de ele ser evangélico, conforme foi citado pelo presidente da República. A nossa confiança é no fato de ele preencher todos os requisitos, inclusive porque ele tem uma formação excelente como jurista, como técnico”, afirma a advogada Edna Zilli, presidente da Anajure.

Zilli considera que o STF tem sido influenciado pela política e deixado de se pautar pela Constituição. “Eu não acredito que o fato de ele ser evangélico vá mudar alguma coisa, mas ele é uma pessoa de princípios, uma pessoa de valores. O que nós queremos é que ele seja um juiz imparcial, como tem que ser, e aplique a Constituição”, afirmou.

A pesquisadora Ana Laura Barbosa, membro do grupo Supremo em Pauta, da FGV (Fundação Getúlio Vargas), avalia que os interesses dos evangélicos no Supremo podem ser divididos em dois grupos.

“Em primeiro lugar, a defesa do status quo em pautas de costume. Casos de aborto, união homoafetiva, criminalização da homofobia, gênero em sala de aula. A atuação dos evangélicos busca barrar uma evolução destas agendas”, afirmou.

“De outro lado, temos ações relacionadas à liberdade de consciência e crença. Eles atuam para que grupos ou indivíduos não sejam prejudicados por seguirem suas convicções religiosas”, completa Barbosa.

Para a pesquisadora, o efeito da presença de Mendonça no STF pode ser limitado, mas não será nulo. “A colegialidade tem o dever de respeitar a jurisprudência e seguir entendimentos já consolidados. Mas um ministro sempre pode tomar decisões monocráticas, que em alguns casos levam muito tempo para serem referendadas ou cassadas”, analisa.

Gênero nas escolas

A Anajure tem participado, nos últimos anos, de várias ações abertas no STF para derrubar leis municipais que proíbem a abordagem de questões de gênero nas escolas. Nesse ponto, os evangélicos têm colecionado derrotas: de 8 processos sobre o tema que chegaram à Corte desde 2017, 5 deles já foram julgados e arquivados.

Em todos os casos já decididos, o STF derrubou por unanimidade legislações que proibiam que se tratasse de “ideologia de gênero” ou termos similares em escolas locais. Algumas destas legislações vedavam até o uso do conceito “orientação sexual”.

Todos estes julgamentos, porém, ocorreram antes de novembro de 2020, quando chegou ao tribunal o ministro Nunes Marques, primeiro indicado de Bolsonaro à Corte. Não se sabe, portanto, a posição dele e de Mendonça sobre o assunto.

O novo ministro, aliás, assumiu a relatoria de um dos processos em aberto. No final de dezembro, o UOL mostrou que Mendonça decidirá sobre uma ação contrária a leis que impedem questões de gênero em Petrolina (PE) e Garanhuns (PE).

Bolsonaro fez referência à reportagem, em suas redes sociais, para lembrar aos seguidores que o vencedor das próximas eleições deverá indicar mais 2 ministros para o STF no ano que vem. O presidente, no entanto, não fez comentários específicos sobre o tema:

 

O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), por sua vez, se manifestou no Instagram sobre a reportagem do UOL. Na publicação, o filho do presidente afirmou que Mendonça “certamente” se posicionará contra a abordagem de gênero nas escolas “e não tentará moldar a sociedade conforme a engenharia social que tenha em sua cabeça”.

Apesar da previsão do parlamentar, Mendonça nunca se pronunciou publicamente sobre o assunto. Enquanto chefiou a AGU (Advocacia-geral da União), o órgão se alinhou ao STF, ou seja, foi contrário a uma lei em Londrina (PR) que proibia o ensino sobre gênero, com o argumento de que o município invadiu a competência da União.

Essa manifestação, porém, foi assinada pelo AGU substituto, Renato de Lima França. Durante a sabatina que selou sua aprovação para o Supremo, no início do mês, Mendonça disse que “não se admite qualquer tipo de discriminação” contra a população LGBT, mas não foi questionado especificamente sobre gênero.

Uma eventual discordância aberta pelos indicados de Bolsonaro deve ser insuficiente, a princípio, para reverter o entendimento do Supremo. Não apenas pela inferioridade numérica mas também porque há um entendimento já estabelecido entre os ministros a respeito do tema.

“Já existe uma jurisprudência relativamente consolidada, no tribunal, para considerar inconstitucionais estas leis que proíbem estudos de gênero em sala de aula”, explica Ana Laura Barbosa, do grupo Supremo em Pauta.

Para a Anajure, no entanto, ainda há esperança de reversão do resultado. “Nós vamos continuar tentando. Dentro daquilo que a lei nos permite, vamos recorrer até onde for possível”, afirma Zilli, presidente da entidade.

Aborto

Outro ponto de mobilização dos religiosos é uma ação apresentada pelo PSOL, ainda em 2017, que pede a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. Desde a abertura da discussão, 53 entidades já pediram ao STF para participar como amicus curiae (amigo da Corte), condição na qual podem oferecer subsídios aos ministros e fazer sustentações orais nos julgamentos.

No grupo há associações religiosas, partidos políticos e dezenas de instituições de portes variados, de ambos os lados da disputa. A lista vai desde a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), maior autoridade católica do país, até pequenos grupos de atuação regional.

Parte das agremiações participou de uma audiência pública organizada pelo STF a respeito do tema, em 2018, mas ainda não há previsão de quando o caso será julgado. A relatora é a ministra Rosa Weber.

A pauta é uma das prioridades da Anajure, que se pronunciou na audiência há três anos. “Nós entramos com pedido de admissão como amicus curiae, mas até agora ele nem sequer foi analisado”, disse Zilli.

Liberdade religiosa

Entidades como a Anajure também costumam acompanhar processos em que há choque entre regras do Estado e posições individuais de fé. Em novembro do ano passado, uma destas discussões resultou em vitória para os religiosos: por 7 votos a 4, o STF autorizou que vestibulares e concursos possam mudar de data por motivos religiosos.

Este foi um dos processos acompanhados pelo IBDR (Instituto Brasileiro de Direito e Religião), um grupo de estudos que, apesar do alinhamento na maioria das pautas, não é exclusivamente evangélico.

Entre outras ações, o IBDR tem acompanhado casos que ainda serão julgados pelo STF, como o de uma professora adventista em São Bernardo do Campo (SP) que foi reprovada no estágio probatório por não trabalhar entre o pôr do sol de sexta-feira e o de sábado.

Outro processo do gênero, que espera julgamento há três anos, vai definir se testemunhas de Jeová têm o direito de se submeterem a tratamento médico, inclusive cirurgias, sem transfusão de sangue, um procedimento que contraria preceitos da religião.

Segundo Ana Laura Barbosa, do grupo Supremo em Pauta, casos como este são monitorados de forma permanente pelas entidades religiosas. “A agenda de julgamentos do STF é consequência do que os grupos levam até ela. Essas ações chegam ao tribunal, e é por isso que o tribunal eventualmente toma determinadas decisões”, afirma.

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