Precipitação abaixo da média
Para piorar, na última semana de janeiro, os índices de precipitação continuavam abaixo da média em grande parte da Amazônia. “Existe uma boa faixa nas partes oeste e central onde as chuvas se estabeleceram e estão até acima da média. Mas no sul e no nordeste do bioma ainda está muito seco e a tendência é que continue assim por mais alguns meses”, salienta o meteorologista Tércio Ambrizzi, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP (Universidade de São Paulo).
O climatologista José Marengo, coordenador do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), destaca que o El Niño atingiu sua máxima intensidade nos últimos meses e as previsões são de que fique mais fraco apenas em meados de 2024. Mas ainda não é possível dizer com precisão o que vai acontecer e o fenômeno pode, inclusive, se intensificar. “Se o El Niño não enfraquecer, há risco de uma nova seca extrema chegar antes da recuperação total do bioma. Neste momento, a tendência é de melhora, porque está começando a chover”, frisa. “Porém, as chuvas começaram só na virada do ano, quase dois meses mais tarde que o normal e estão voltando aos poucos. Ainda não estão caindo no volume necessário para proporcionar uma recarga completa dos rios e resolver o problema da seca.”
“A estação seca mais longa faz com que partes da floresta fiquem mais suscetíveis a queimadas – o que, em conjunto com o desmatamento, aumenta a emissão de carbono para a atmosfera, contribuindo para a intensificação das mudanças climáticas”, explica Mariana Napolitano, diretora de Estratégia do WWF-Brasil. “É um ciclo vicioso que leva a alterações na composição, na estrutura e em funções ecológicas em extensões cada vez maiores da Amazônia. o, como das que estão Isso impacta tanto a vida das comunidades que habitam essa regiãa quilôa quilômetros de distância das áreas destruídas”, acrescenta.
Mais de 900 mil pequenos agricultores vivem e trabalham na Amazônia, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). “O plantio foi atrasado e quem está iniciando o replantio agora pode não ter tempo para a colheita antes da chegada de uma próxima seca”, salienta Marengo. Isso significa que, além de perder uma produção que geraria renda com a venda do excedente, a falta desses alimentos pode potencializar a insegurança alimentar dessas e de outras famílias da região. Um problema já vivido no ano passado.
Situação em Santarém
A agricultora Dioneia dos Santos Pereira, coordenadora do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) de Santarém, no Pará, conta que mais de 15 mil agricultores ligados à instituição foram afetados pela seca e que eles esperam com apreensão a volta das chuvas. “Choveu um pouquinho, mas não o suficiente para encharcar a terra. Muita gente plantou a maniva e o milho esses dias, mas a chuva não veio com força, então a planta não consegue ir para frente e morre. Isso compromete a segurança alimentar e estamos preocupados com a fome na região. Queira Deus que não aconteça, mas é preocupante”.
Dioneia pontua que nas regiões de várzea, onde as plantações foram duramente atingidas durante a seca, há dificuldade em restabelecer o cultivo. “A macaxeira, por exemplo, tem um ciclo de seis meses entre o plantio e a colheita. Muita gente perdeu a plantação porque a chuva não veio. E se a tentativa de replantio é feita muito tarde, a enchente pode começar e impedir a colheita”, afirma.
O STTR representa nove regiões do enorme município de Santarém. Em todas elas, frisa Dioneia, as famílias perderam plantações de batata, mandioca e a produção de farinha e derivados. “Também houve uma mortalidade de peixes muito grande, porque as águas esquentaram demais. A dificuldade de transportes era enorme. Algumas pessoas tinham que andar sete quilômetros para conseguir água potável”, lembra.
Com cerca de 400 famílias, a comunidade Urumanduba, onde Dioneia vive desde que nasceu, há 49 anos, fica a oito quilômetros da cidade de Santarém. Outras comunidades das regiões de Lago Grande, Arapiuns, Arapixuna, Cumaúma e Chapadão são muito mais afastadas. “As crianças dessas comunidades foram especialmente prejudicadas. Elas iam de barco às escolas, mas como secou tudo era preciso andar vários quilômetros. Na região do Arapixuna, as crianças chegavam a andar 18 quilômetros a pé, da comunidade de Muacá até a comunidade de Carareacá, onde fica a escola”, diz.
A estimativa do sindicato é que a produção da agricultura familiar tenha caído 70% durante a seca. E esse não é o único problema. “Com a morte de peixes, já é alto o risco de insegurança alimentar. Minha comunidade fica à beira do rio Humaitá e os peixes todos morreram. Algumas pessoas criam gado lá e estão preocupadas porque o pasto agora está seco”, alerta a coordenadora do STTR.
Depois da pior seca da história da Amazônia, as chuvas voltaram em algumas áreas e os níveis dos rios começaram a subir. Mas os relatos mostram que os problemas sociais e econômicos causados pela estiagem extrema de 2023 persistem. Assim como o temor de cientistas de que neste ano uma nova seca de grandes proporções aconteça, aprofundando os prejuízos ao ciclo hidrológico da região. Se isso se confirmar, o impacto será dramático para todo o ecossistema e aproximará ainda mais o bioma do ponto de não retorno, a partir do qual os rios e a floresta perderão a resiliência e não conseguirão mais se recuperar.
O que o WWF-Brasil está fazendo
Desde que as primeiras carcaças foram identificadas, em setembro de 2023, o WWF-Brasil tem atuado em parceria com as forças-tarefas lideradas pelo Instituto Mamirauá e pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, fornecendo combustível, Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), insumos veterinários e apoio logístico para o deslocamento de voluntários.
Assim como dando suporte no planejamento e mapeamento de áreas sensíveis aos animais, utilizando inclusive modelos climáticos. A expectativa é de que ainda no primeiro semestre seja realizado um workshop com especialistas de todas as organizações parceiras para discutir os aprendizados trazidos pela crise de 2023 e estabelecer protocolos para evitar e mitigar eventos semelhantes no futuro próximo.
A organização também está em contato com parceiros locais e mobilizada para apoiá-los no enfrentamento da crise humanitária causada pela seca na região amazônica, pois as consequências são especialmente dramáticas para as populações mais vulneráveis, como indígenas, quilombolas, extrativistas e ribeirinhos. Cerca de 60 toneladas de alimentos estão sendo entregues para mais de 3.900 famílias em comunidades impactadas pelo desabastecimento nos estados do Pará, Amazonas e Rondônia.
Em outra frente, o WWF-Brasil intensificou doações de equipamentos para brigadas de combate ao fogo, especialmente em assentamentos e comunidades ribeirinhas e indígenas, devido às queimadas que ocorreram na Amazônia por conta da estiagem. Em dezembro de 2023, foram apoiadas três brigadas, duas no Tapajós e uma no Amazonas. E esse trabalho continua em 2024.
Por Instituto Mamirauá e WWF-Brasil
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