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Eduardo Bolsonaro usa redes para divulgar marcas da indústria de armas

. Boa parte das postagens foi feita em viagens ao exterior.
Imagem: Reprodução/Twitter

Defensor da bandeira do armamentismo, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) divulga ou exibe marcas e produtos da indústria de armas em suas redes sociais, em vídeos com edição caprichada e elogios aos equipamentos testados. Boa parte das postagens foi feita em viagens ao exterior.

Em uma das publicações, quando visitava feira de armas nos Estados Unidos, vestiu o boné da fabricante norte-americana de munições Federal Premium Ammunition e entrevistou o representante da empresa no Brasil, imagens que contaram com arte gráfica para explicar como é feito um projétil.

Em outra, produzida quando o deputado esteve nos Emirados Árabes Unidos, em outubro de 2021, ele atirou com equipamento da estatal Caracal e divulgou vídeo com efeitos visuais e música em árabe que, segundo três fontes da região consultadas pelo UOL, enaltece armamentos e proteção dos povos. Havia até a logomarca da empresa, cuja sede fica em Abu Dhabi.

“Armamento funciona em condições extremas de frio, calor, aridez”, descreveu o deputado. “A marca começa a mostrar serviço, ganhando há pouco licitação da polícia de Idaho [EUA].”

UOL conversou com Eduardo Bolsonaro no Congresso e perguntou se ele considerava o vídeo da Caracal como uma espécie de propaganda. Ele discordou. “Propaganda? Eles não vendem aqui.”

Na postagem, o deputado destacou a tentativa da empresa de vir ao país: “Tem interesse de fabricar no Brasil (…) oferecendo um material de qualidade”. A informação foi confirmada pelo representante da empresa no país, o advogado Paulo Humberto Barbosa. Segundo ele, a companhia quer criar uma fábrica em Goiás.

O deputado não quis gravar uma entrevista com a reportagem. Procurado novamente, ele não respondeu se eventualmente recebeu algum valor ou benefício pela gravação e divulgação das imagens.

UOL consultou dois advogados e dois membros do Ministério Público. Todos classificaram a atividade como “propaganda” ou “merchandising”. Os especialistas, porém, divergem ao opinar se haveria problemas éticos na ação (veja mais abaixo).

Dólar alto atrapalha importação

O representante da Caracal afirmou ao UOL que esteve com o pai de Eduardo, o presidente Jair Bolsonaro (PL), antes das eleições de 2018. A imagem do encontro, que segundo o advogado teve como objetivo apresentar a empresa ao então presidenciável, porém, só foi divulgada nas redes sociais no ano passado.

Em 2017, Barbosa e políticos goianos lançaram a pedra fundamental para inaugurar uma unidade da companhia em Anápolis (GO), mas o projeto foi suspenso por causa da pandemia e de dificuldades técnicas.

Alternativamente, ele tentou fazer a importação de armas, mas a cotação do dólar, a mais de R$ 5, é um impeditivo. O advogado contou que não tem contratos com governos.

O advogado disse ao UOL que sua relação com o deputado filho do presidente é “zero”. Para ele, o vídeo exibido por Eduardo é apenas reflexo da bandeira que o deputado defende.

Ele fala como uma pessoa que gosta de armas”

Paulo Barbosa, representante da Caracal no Brasil

Barbosa acrescentou que a divulgação da Caracal feita por Eduardo não se tratou de propaganda, mas afirmou que consultaria a sede da companhia. Depois, disse que não conseguiu informações a respeito. A Caracal nos Emirados e nos Estados Unidos não respondeu aos emails enviados pelo UOL.

 

Eduardo Bolsonaro grava vídeo atacando o PT no interior de São Paulo - Reprodução/Twitter - Reprodução/Twitter
Eduardo: ‘Não vendem no Brasil’

Imagem: Reprodução/Twitter

 

Outras marcas

O deputado Eduardo Bolsonaro já exibiu outras marcas e produtos ao longo dos últimos anos. Em janeiro de 2019, recebeu uma pistola Glock importada. Avisou na rede social que colocou incrementos na arma: “Camuflagem do ferrolho feita pela @cerakotebrazil e importação com despachantes do @clube38”.

De acordo com ele, essa foi a sexta publicação “com mais alcance” em seu perfil no Instagram.

Em janeiro último, Eduardo foi à feira de armas Shotshow, em Las Vegas, nos EUA. Lá, fez uma transmissão ao vivo, na qual visitou o estande da Glock. “É a pistola número um no mundo, preferida por militares“, elogiou. A arma é usada pela Polícia Federal no Brasil. A Glock foi procurada pela reportagem, mas não respondeu.

Policial montou disputa e atuou para empresa

Em abril de 2019, o deputado recebeu a visita de Marcelo Costa, representante da fábrica Sig Sauer. Na ocasião, defendeu a entrada de fabricantes estrangeiros no país. “Competência e excelência no produto existe”, disse o deputado.

Em 2021, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), irmão de Eduardo, conseguiu recursos do Ministério da Justiça para uma licitação no Rio. Quem ganhou foi a Sig Sauer, mas a disputa foi montada por um policial que atua para empresa de pistolas, como revelou o UOL.

Procurada, a Sig Sauer não prestou esclarecimentos à reportagem.

Deputado usou camiseta de fornecedor

Quando foi à feira Shotshow, nos EUA, neste ano, Eduardo usava uma camiseta da Invictus Tactical & Outdoor, empresa brasileira que fornece uniformes para militares e forças de segurança. A companhia tem R$ 4 milhões em contratos com as Forças Armadas e a Presidência da República.

Para circular pelo evento, recebeu um crachá da empresa IWI – Israel Weapon Industries. A empresa disse ao UOL que ofereceu crachás para vários brasileiros e que os ingressos da feira eram gratuitos.

A Invictus e a IWI afirmaram que não deram presentes nem pagaram despesas do deputado. “A empresa reforça ainda que tem capital 100% nacional e que sua atuação está pautada nos mais estritos preceitos éticos e legais”, comentou a Invictus.

“Não teve nada de mais”, diz representante de munição

No evento, Eduardo Bolsonaro foi ao estande da empresa fornecedora de munições Federal Premium Ammunition. Ele estava com a camiseta da Invictus.

Lá, o deputado colocou o boné da Federal Ammunition e iniciou uma entrevista com o representante da fábrica no Brasil. O vídeo foi editado com legendas e arte de um projétil. No final, o deputado colocou uma vinheta de seu mandato como parlamentar.

O representante da Federal no Brasil, Kléber Simões, afirmou ao UOL que “só passou nos eventos para conhecer”. “Não teve nada de mais”, disse. Ele acrescentou que as publicações no perfil de Eduardo não foram combinadas.

Não, não. Isso daí é um trato meu com a empresa só”

Kléber Simões, representante da Federal Ammunition

A Federal Premium Ammunition nos EUA foi procurada por meio do departamento de marketing de sua controladora, mas não prestou esclarecimentos.

Apoiador de CACs

Enquanto andava pela feira, Eduardo era acompanhado de outros profissionais do setor, como o presidente da Câmara Municipal de Monte Azul Paulista (SP), vereador Mardqueu França (PSD), o “Samurai Caçador”.

Um projeto dele virou lei para para tornar os caçadores, atiradores e colecionadores de armas, os CACs, como “atividade de risco”. “Monte Azul é a primeira cidade do Brasil a reconhecer a legítima defesa dos CACs do Brasil”, disse.

Segundo o jornal O Estado de S.Paulo, Eduardo trabalha para que legislativos estaduais façam leis semelhantes. De acordo com o jornal, a chamada “atividade de risco” para CAC resultaria em “dar porte de arma irrestrito aos integrantes dessa classe”. O “Samurai Caçador” pediu que outros vereadores façam leis desse tipo.

Deputado nega publicidade

UOL conversou com o deputado Eduardo Bolsonaro pessoalmente duas vezes em fevereiro e março, pedindo entrevista. Também foram enviados emails com pedidos. Mas o deputado disse que preferiria prestar esclarecimentos só depois de a reportagem ser publicada.

Ainda assim, Eduardo Bolsonaro comentou que o vídeo da Caraval não poderia ser considerado publicidade para a empresa dos Emirados Árabes, porque ela não vende produtos no Brasil. “Ah, conheci a Caracal e fiz o vídeo”, declarou. O deputado destacou que já fez postagens com armas de outras fabricantes. “Já atirei com Taurus também.” Eduardo Bolsonaro disse ainda que visitou fábricas de outros setores também, como a montadora de automóveis Toyota, em Sorocaba (SP).

Num segundo encontro, o UOL combinou de enviar novamente email para o deputado. Ele analisaria se concederia entrevistas. Não houve retorno antes da publicação desta reportagem.

Especialistas vêm propaganda, mas divergem sobre ética

Para o presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, o procurador do Ministério Público de São Paulo Roberto Livianu, o Conselho de Ética da Câmara deve olhar o caso com atenção e fazer recomendações para os demais parlamentares.

“A questão é você propagandear um fornecedor privado específico”, afirmou ele ao UOL. “Isso pode ensejar situações, leituras de um aproveitamento privado indevido, um privilégio de mercado. Você tem contratações, licitações. O governo compra armas.”

Não é razoável que parlamentares se comportem como garoto-propaganda de empresas particulares”Roberto Livianu, presidente do Instituto Não Aceito Corrupção

A advogada Anna Carolina Dantas, vice-presidente da Associação dos Advogados Unidos contra a Corrupção, afirmou ao UOL que considera as publicações como publicidade. Embora não se assemelhem a irregularidades cíveis ou criminais, ela afirma que resvalam em preceitos éticos da moralidade da Constituição. “Ele está vangloriando um produto em detrimento dos demais.”

A advogada disse que é necessário que as empresas verifiquem se as propagandas feitas pelo parlamentar violaram o Código de Ética das companhias. E, de outro lado, aponta ser preciso que o Conselho de Ética da Câmara analise se o decoro parlamentar foi quebrado.

A advogada afirma que as divulgações da Caracal e da Federal Ammunition têm mais “ênfase” do que as demais. “Ele acredita mais numa marca, divulga mais uma marca e deixa as outras marcas de escanteio”, disse. “Isso pode fechar mercado, fazer com que uma comissão de licitação dê preferência a essa marca porque o próprio deputado está fazendo uma propaganda desse produto.”

Já o advogado e professor de direito civil da FGV (Fundação Getúlio Vargas) Gustavo Kloh, especialista na área de improbidade administrativa, diz entender que a atuação de Eduardo Bolsonaro se deu dentro do que se espera de um congressista.

Ele explicou ao UOL que a situação se assemelha ao termo “merchandising”, usado para definir “um conteúdo de publicidade embarcado numa peça não-publicitária”.

Merchandising tem, mas ele está sendo pago por isso? Não posso afirmar”Gustavo Kloh, professor da FGV

“O objetivo do vídeo é esse? Não posso afirmar. Existe exposição positiva da marca? Sim, mas ele faz para várias. Você poderia afirmar: ‘Ele está fazendo lobby para um setor’. Mas esse é o trabalho de um deputado.”

Para Kohl, existe “preconceito” contra atuação de parlamentares a favor de temas “polêmicos”, como armas, descriminalização da maconha e do aborto e liberação dos jogos de azar.

Sob reserva, uma promotora do Ministério Público afirmou ao UOL que é preciso saber se o deputado recebeu algum benefício econômico, político ou financeiro para indicar se há possibilidade de crime ou improbidade. O deputado e parte das empresas não esclareceram essa questão.

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