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Renomear Fundação Palmares como princesa Isabel é ilegal, diz especialista

No entanto, especialistas ouvidos pelo UOL afirmam que a mudança contraria o espírito do órgão e não está nas mãos de Camargo, pois deve passar pelo conselho curador da instituição e só ocorre após um projeto de lei ser aprovado pelo Congresso ...
Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress

O presidente da Fundação Cultural Palmares (FCP), Sérgio Camargo, voltou a dizer que pretende mudar o nome da organização para princesa Isabel, signatária da lei que aboliu a escravidão no país, ou para André Rebouças, engenheiro que foi um dos líderes do movimento abolicionista. No entanto, especialistas ouvidos pelo UOL afirmam que a mudança contraria o espírito do órgão e não está nas mãos de Camargo, pois deve passar pelo conselho curador da instituição e só ocorre após um projeto de lei ser aprovado pelo Congresso Nacional.

“A mudança do nome da Palmares é uma das propostas que constam do projeto que apresentei à Secretaria Especial de Cultura quando fui convidado para assumir a presidência da instituição, em outubro de 2019.”, escreveu em sua conta no Twitter.

Camargo argumenta que o nome da instituição homenageia Zumbi dos Palmares, que ele considera um “falso herói”. O UOL entrou em contato com a FCP por meio de sua assessoria de comunicação que, até a publicação desta reportagem, não retornou nosso contato. Quando a organização fizer isso, o texto será atualizado.

Criada em agosto de 1988 pela Lei 7768/1988, a FCP nasceu para preservar os valores culturais, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira.

A fundação atende aos artigos 215 e 216 da Constituição Federal, que obrigam o Estado brasileiro a garantir a todos o pleno acesso às fontes da cultura nacional.

A fundação eterniza a memória de Zumbi, líder do quilombo de Palmares, na Serra da Barriga, em Alagoas, que se tornou símbolo de resistência à escravidão por suportar ataques durante quase um século. O quilombola virou um ícone de protagonismo dessa luta, tanto é que, por pressão do movimento negro, é na data de sua morte, o 20 de novembro, que se celebra o Dia da Consciência Negra.

Para Camargo, porém, “zumbi é um ícone da militância vitimista, raivosa e revanchista”. “Princesa Isabel e André Rebouças são nomes que dão orgulho a todos os brasileiros. Nesta ou na próxima legislatura da Câmara, no que depender de mim, acontecerá!”, afirma.

Ex-presidente da Fundação Cultural Palmares (2011-2012) e ex-ministro da Igualdade Racial no governo do Presidente Lula (2010), o advogado Eloi Ferreira Araújo observa que o nome do órgão é simbólico dos ideais que fundamentaram seu surgimento.

“A fundação foi criada por legislação em 1988, uma data com um simbolismo bastante relevante, pois estávamos completando os 100 anos do fim da abolição da escravatura no Brasil. A Palmares foi criada com a dimensão de ser o primeiro órgão do Estado brasileiro para fazer um enfrentamento do racismo e das graves distorções e desigualdades raciais oriundas da escravidão e presentes no estado brasileiro até aquela data. O Congresso se debruçou sobre a matéria durante muito”, relata.

Mudança só no Congresso

Thales Treiger, integrante da Defensoria Pública da União e membro do Grupo de Trabalho de Políticas Etnoraciais do órgão, explica que é possível mudar o nome da FCP.
A alteração precisaria passar por um processo legislativo no Congresso por meio de um projeto de lei, proposto por algum parlamentar ou pela administração federal. Com o aval em uma das casas — a Câmara por exemplo–, a matéria passaria à análise na outra — neste caso o Senado. Uma vez aprovado, o projeto vai ao presidente da República, que pode vetá-lo ou sancioná-lo.

Araújo explica, porém, que algumas decisões sobre a FCP têm que passar antes pelo conselho curador do órgão, formado por 12 membros. Caso chegue ao Congresso, um projeto de lei com esse teor dificilmente seria tratado com urgência pelos parlamentares, diz. Segundo Treiger, uma lei como essa contraria a Constituição.

“Ocorre que não houve qualquer consenso com a sociedade sobre o tema. Mais ainda: entendemos que, no caso da Fundação Cultural Palmares, a designação deste nome tem relação explícita com o patrimônio cultural imaterial relativa à história da resistência da população negra a 350 anos de escravidão. Assim, eventual lei neste sentido seria não apenas inconstitucional, como violaria a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, que aliás foi promulgada nesta terça, 11 de janeiro”
Thales Treiger, defensor público da união

UOL apurou que, caso Camargo leve o projeto adiante, organizações do movimento negro articulam uma nova ação popular contra ele, dessa vez para pedir a proteção do patrimônio público e imaterial.

‘Manobra de Distração’

Para o ex-presidente da Fundação Palmares, as declarações de Camargo são estratégias do governo federal para desviar a atenção de assuntos mais relevantes.

“Num momento em que estamos em um debate intenso sobre pautas realmente importantes como a vacinação de crianças e as estratégias de enfrentamento da variante Ômicron, ele [Camargo] surge com esse absurdo, só para tirar a atenção das discussões sérias. Isso, da mudança, não vai acontecer. É só uma manobra de distração e representa uma ofensa a toda a comunidade negra brasileira e a todos que lutam contra o racismo”.

Não é a primeira vez que Camargo provoca polêmicas. Desde que assumiu a presidência da Fundação Cultural Palmares, já defendeu o fim do Dia da Consciência Negra, a não reparação histórica do Brasil com a população negra devido à escravidão e já tentou censurar as obras do acervo literário da organização.

Para Araújo e Treiger, a atuação de Camargo pode ser classificada como um desserviço à comunidade negra.

“A Palmares não vem cumprindo com a sua missão constitucional, como na titulação de terras e na assistência às mais diversas comunidades remanescentes de quilombos. Assim, a alteração do nome da Fundação acaba por ser algo que segue no sentido do não atendimento ao seu público, mas sim em uma pauta que em nada ajuda aos seus fins institucionais”, analisa Treiger.

“A fundação é o desejo de defender a cultura negra, as comunidades quilombolas e a cultura afro-brasileira. É um sonho e nisso não se mexe. Isso está mantido e vivo em cada um de nós e ele [Sérgio Camargo] nunca vai alterar.”
Eloi Ferreira, ex-presidente da Fundação Cultural Palmares

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