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Qual história irá se repetir, presidente?

O que o futuro nos reserva é saber qual história vai se repetir, entre as tantas que existem, e de que forma isso poderá acontecer.
Imagem: Liliane Mutti

É verdade que a história pode se repetir, presidente. Todas as histórias o podem. O que o futuro nos reserva é saber qual história vai se repetir, entre as tantas que existem, e de que forma isso poderá acontecer.

O golpe de 1964 irá se repetir, você acha? Aquele “movimento” civil-militar-empresarial, apoiado pelos Estados Unidos em tempos de Guerra Fria, comemorado por milhares de brasileiros doutrinados a acreditar numa suposta ameaça comunista? E ele vai se repetir de que forma?

O Exército de Caxias estará disposto, hoje, a embarcar numa aventura como aquela? Um presidente derrotado nas urnas comandará a revolta, como uma espécie de dono da bola recém-saído da creche – que faz birra, enfia a pelota no sovaco e sai resmungando da quadra? “Se eu não ganho, ninguém ganha, talquei?”, protestaria o pirralho golpista?

Os financiadores serão aquele empresário sorridente de terno verde? Os meninos-veneno do agro? Tropas norte-americanas estarão a postos para fornecer combustível, munição e apoio logístico com o envio solidário de um porta-aviões e meia dúzia de destróiers como os prometidos na Operação Brother Sam, que nunca saiu do papel? Quem é teu Lincoln Gordon? E teu Lyndon Johnson?

Foi Karl Marx quem escreveu, no 18 Brumário de Luís Bonaparte, que a história se repete como farsa. Não tanto com o sentido de mentira que atribuímos hoje a esta palavra, mas com o sentido de comédia, de obra burlesca: farsa em oposição a tragédia, ecoando o teatro grego e outras referências. O que era tragédia na primeira ocasião, um evento revestido de gravidade, voltaria como arremedo grotesco, pastelão mal ajambrado. Será?

Algumas histórias se repetem como tragédia. A eleição de um déspota, por exemplo. Podíamos muito bem ter ficado sem isso. A volta de um governo repleto de militares, que censura, intimida, distorce, que persegue a arte, a cultura, o jornalismo e a ciência, que interfere na Polícia Federal e na Procuradoria Geral da República, que ameaça os representantes dos demais poderes, que aparelha a EBC e coloca sigilo de 100 anos sobre seus abusos.

O 7 de setembro também se repete, desta vez como tragicomédia. Um ano atrás, tanques de guerra emitiram sinais de fumaça em plena Praça dos Três Poderes, aplaudidos por uma claque incensada inclusive por Sérgio Reis, o “rei do gado”, eterno intérprete do menino da porteira (aquele que gostava de ouvir o som do berrante até ser morto por um boi sem coração). Houve quem riu daquela balbúrdia. E vibrou com o arsenal bélico desconjuntado. Mas, por trás do tule da vergonha, o que restou foi um cenário triste e lamentável, de uma republiqueta em fim de feira, supostamente governada por um moleque inepto.

Neste ano, vimos que o moleque inepto está mais preocupado com seu desempenho sexual do que com um projeto de nação. E que, na falta de sustança, de serviço para mostrar, prefere recorrer outra vez à alegoria medíocre do golpe como ameaça.

Desta vez, não foram os tanques que arriaram na esplanada dos ministérios, mas os paraquedas que não abriram, para desespero dos oficiais em queda livre. Um deles acabou no asfalto, outro precisou ser resgatado dos galhos de uma árvore. Farsa? Ou tragédia?

Nesta semana em que o Brasil completa 200 anos de suposta independência, encontramos uma nação bem mais dependente do que uma década atrás. Dependente, aliás do que há de pior e de mais ultrapassado: uma economia baseada em commodities que devastam solo, saúde, água e meio ambiente sem alimentar ninguém, uma política fundada na radicalização histriônica, no discurso de ódio e na disseminação de desinformação, uma sociedade ameaçada pela discriminação e pela promoção do discurso único, monolítico, que nos conduz ao estrangulamento da alteridade e da diversidade, sexual, racial, de gênero, ideológica e, cada vez mais, religiosa.

Neste sentido, há outras possibilidades de história que também podem se repetir nas próximas semanas ou meses, muito diferentes da hipótese de golpe sugerida pelo presidente em fim de temporada. Pode se repetir, por exemplo, a eleição do metalúrgico de Garanhuns, aquele que o presidente gosta de chamar de “ex-presidiário” e que seus apoiadores chamam de “nove dedos” ou de “ladrão”, exatamente vinte anos depois. Pode se repetir o mar vermelho que tomou conta da esplanada dos ministérios em 1º de janeiro de 2003, uma balbúrdia com direito a mergulho nos espelhos d’água do Congresso Nacional.

Podem se repetir, também, experiências observadas em outros países, com outros ex-presidentes. Donald Trump, por exemplo, está sendo investigado e teve sua casa vistoriada recentemente por agentes do FBI. Os policiais encontraram documentos confidenciais, que não poderiam ter sido apropriados pelo ex-presidente, e um inquérito está em andamento. Já o ex-ditador do Chile, Augusto Pinochet, foi condenado em 1998 por violações de direitos humanos e crimes contra a humanidade praticados durante seu governo, nos anos 1970 e 1980. Ficou um ano e meio em prisão domiciliar.

A propósito, somente até este domingo (11), está em cartaz, em São Paulo, o documentário O Grande Irmão, lançamento de Camilo Tavares que narra o apoio da ditadura militar brasileira (e também do governo norte-americano) ao golpe deflagrado em 1973 contra o governo democrático de Salvador Allende, no Chile. O cerco das tropas insurgentes, comandadas por Pinochet, levou ao incêndio de parte do palácio La Moneda, bombardeado por muitas horas, e culminou na morte de Allende, em 11 de setembro daquele ano. Pinochet assumiria o poder no ano seguinte para uma ditadura que durou 16 anos e assassinou milhares de opositores.

Voltando ao tema da história que se repete, há quem arrisque citar outro governante famoso, o rei Luís XVI, da França. Deposto pela revolução burguesa de 1792, o déspota acabou condenado por traição e decapitado no ano seguinte.

Leis marciais à parte, a considerar as imagens transmitidas neste 7 de setembro e as palavras proferidas pelo presidente da República, nossa maior ameaça não parece ser o improvável e distante 1964, como faz crer o ainda presidente, mas o imponderável repeteco destes últimos três anos. Nosso maior risco, acredite, é mergulhar o país no dia da marmota, conduzi-lo a um “remake” real e perverso de O Feitiço do Tempo, adentrar um looping sem fim de hipocrisia, corrupção, mentira e desprezo pela humanidade. Misericórdia.

 

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