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Por que a seca histórica no Amazonas pode atrapalhar a Black Friday

Pior seca em 120 anos derruba nível dos rios e prejudica transporte de produtos da Zona Franca de Manaus. Preços podem subir para consumidor
Gustavo Basso/NurPhoto via Getty Images

A uma semana da Black Friday, que acontece no dia 24 de novembro, os varejistas não estão muito otimistas em relação às vendas em uma das datas mais importantes do ano para o comércio brasileiro. Estimativas da empresa de segurança digital ClearSale indicam diminuição de 40% nos pedidos em relação a 2022, quando foram feitas 6,1 milhões de compras naquele dia já tradicional do calendário em que os lojistas oferecem uma série de promoções e descontos para atrair os consumidores.

Um dos motivos que podem levar a uma enorme frustração para o comércio varejista na Black Friday de 2023 é um fenômeno natural localizado bem longe dos principais centros urbanos do Brasil. Uma seca prolongada no Amazonas – a pior em 120 anos –, que se arrasta pelo menos desde agosto e já deixou todos os 62 municípios do estado em situação de emergência, reduziu severamente o nível dos rios da Amazônia, o que prejudica diretamente o escoamento da produção da Zona Franca de Manaus, especialmente de eletrodomésticos.

No fim do mês passado, o nível do Rio Negro era o menor já registrado desde 1902, quando começaram as medições do seu volume. Cerca de 95% do transporte de produtos da Zona Franca é fluvial. Segundo a Associação Brasileira de Armadores de Cabotagem (Abac), há pelo menos três semanas não chegam navios com contêineres de insumos da China – em condições normais, circulam cerca de 15 mil contêineres em Manaus a cada mês.

De acordo com um relatório do BTG Pactual, 95% do transporte dos produtos manufaturados e das matérias-primas vem sendo realizado por meio de balsas, que suportam apenas entre 10% e 15% dos volumes escoados pelos navios maiores.

Dados do Centro da Indústria do Estado do Amazonas apontam que menos de 1% da produção total da Zona Franca deixa o polo industrial por meio do transporte aéreo. A Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros) estima que 100% da produção nacional de ar-condicionado, televisores, lavadoras de louça e micro-ondas venha da Zona Franca.

Diante da queda no volume de produtos transportados nos últimos meses, quase 40 das 100 empresas instaladas na Zona Franca anteciparam as férias coletivas de dezembro para o período entre outubro e novembro, de acordo com o Sindicato dos Metalúrgicos do Amazonas (Sindimetal-AM).

Impacto nos preços

“Vai impactar muito a Black Friday. Aliás, já está impactando. O que levava cinco dias para cruzar os rios e chegar aos portos está levando cerca de 25 dias”, afirma Ulysses Guimarães, professor de MBA da Fundação Getulio Vargas (FGV) e especialista em varejo. “Isso faz com que subam os preços desses produtos, em primeiro lugar. Em segundo lugar, faltam produtos. Muita coisa acaba não sendo produzida.”

Para Roberto Kanter, também da FGV, quem pagará essa conta será o consumidor. “Quem mais sofre, obviamente, é o consumidor, que fica sem alternativas e pode ver sua entrega adiada”, diz. “Vai depender muito também dos players on-line. Temos de ver como eles vão reagir em relação às entregas. Se venderão o produto e informarão que a entrega será feita mais tarde, por exemplo. Aí será preciso ver se as pessoas, ainda assim, vão comprar.”

“Obviamente, o setor será afetado, e a Black Friday, particularmente esses setores que têm uma dificuldade logística maior, terá um desempenho ruim. Mais até do que a Black Friday, o grande problema é o Natal”, complementa Kanter.

Estoque é preocupação

Segundo os especialistas ouvidos pela reportagem do Metrópoles, os varejistas já vêm sofrendo com os impactos da seca no Amazonas ao menos desde setembro e buscam se precaver para minimizar as perdas na Black Friday. Muitos lojistas anteciparam os pedidos aos fabricantes e outros vêm tentando importar matéria-prima diretamente da China por meio do transporte aéreo.

Dados de outubro do Índice de Confiança da Indústria, calculado pela FGV, mostram que os níveis de estoque subiram 1,2 ponto em relação a setembro, atingindo a marca de 112,3. Quando o indicador está acima de 100 pontos, significa que há excesso de oferta na indústria, o que pode compensar, em parte, a menor produção da Zona Franca de Manaus.

“É verdade que muitos varejistas fizeram estoque de produtos. O problema é que isso deveria ter começado em julho ou, no máximo, em agosto. Portanto, esses estoques não devem ser tão significativos”, alerta Guimarães. “Hoje, de forma geral, não se fazem mais grandes estoques. O que dá mais dinheiro é o giro, é comprar e vender rápido.”

Roberto Kanter, por sua vez, afirma que o estoque continua sendo “o grande calcanhar de Aquiles de qualquer operação de varejo”. “Uma boa gestão de estoque é a chave para o varejo passar bem, sem apuros. A minha recomendação aos varejistas, hoje, é que apostem em um cenário mais conservador. O ideal seria trabalhar com um estoque menor. Jamais deixar faltar o que vende”, diz.

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