O DNA de pessoas insensíveis à dor está ajudando cientistas a desenvolverem uma nova classe de remédio. O grupo de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) conseguiu criar uma molécula sintética que foi capaz de controlar a dor nos primeiros testes com roedores a partir de estudos com mutações genéticas encontradas em indivíduos com essa característica.
A pesquisa da USP já dura há três anos e começou com a identificação de mutações em pacientes com insensibilidade à dor de origem genética, um problema raro.
“Você pode achar ruim sentir dor, mas ela te protege. Alguns pacientes que possuem esse problema e são incapazes de senti-la podem se queimar sem perceber. Alguns deles quebram ossos e não percebem. Nesse caso específico, de origem genética, eles também não suam e alguns têm problema de desenvolvimento neural”, explicou a biomédica Deborah Schechtmann, coordenadora da pesquisa.
O medicamento ainda precisa ser mais estudado antes de ser testado em humanos, mas o sucesso obtido pelo trabalho de pesquisa básica ganhou a capa da revista Science Signaling, referência na área. O trabalho foi destacado como caminho promissor para novas drogas contra dor crônica, em sua maioria refratária a tratamentos disponíveis, como os opioides.
Já se sabia que as reações envolvidas no processo de sensação dolorosa estão relacionadas a uma molécula chamada NGF (fator de crescimento neural). Essa proteína, porém, está implicada em muitas “vias de sinalização” (sequências de reações bioquímicas no organismo). É difícil para um medicamento interferir em seu funcionamento sem causar efeitos colaterais.
Buscando casos de insensibilidade à dor na literatura cientifica mundial, a bioquímica Beatriz Moraes, coautora do estudo, achou referências a 231 pessoas com essa condição genética. Estudando aqueles que tinham mutações num gene específico, o TrkA, os cientistas viram que algumas alterações nessa proteína interferem na via de percepção da dor mas não parecem afetar o desenvolvimento neural dos portadores.
O próximo passo foi entender quais mudanças estruturais a proteína codificada por esse gene poderia sofrer como resultado de mutações.
Com colaboração do Laboratório Nacional de Biociências, de Campinas, as pesquisadoras criaram modelos da estrutura das proteínas anômalas e depois escolheram uma delas para sintetizar uma molécula menor, com estrutura parecida. A ideia era fazer com que esse peptídeo (proteína simplificada) interferisse em reações químicas que controlam a transmissão da dor em nervos.
Testes em cobaias
Para saber se a ideia funcionaria, essa molécula foi testada em células, para ver seu efeito em escala menor, depois em camundongos vivos. Sob efeito do peptídeo, os animais perderam a sensibilidade à dor e não tiveram efeitos colaterais aparentes.
“Não existem boas drogas candidatas hoje para as pessoas com dor crônica. Nesses casos usamos drogas que servem para outras coisas, como antidepressivos e anticonvulsivantes, por exemplo. Mas acreditamos que essa nova molécula possa ser uma candidata para modificar a forma de tratar dor crônica”, disse Camila Dale, pesquisadora do Instituto de Ciências Biomédicas da USP.
A ideia agora é entender melhor como a molécula que resultou desse primeiro estágio de pesquisa atua no organismo e como ela pode ser reformulada para ser administrada de outras formas, porque isso pode qualificá-la para testes em humanos no futuro.
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