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Especialistas apontam desafios na relação do próximo presidente com o Congresso

Candidato eleito precisará angariar o apoio de três quintos dos deputados e senadores para aprovar propostas de emenda à Constituição
Foto: Ricardo Moraes/ Reuters

A forma como o sistema político brasileiro se organiza exige que o presidente da República trabalhe pela formação de uma maioria no Congresso Nacional para poder governar, em um arranjo que ficou conhecido na ciência política como “presidencialismo de coalizão”.

Seja Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ou Jair Bolsonaro (PL) o vitorioso nas urnas em 30 de outubro, o próximo presidente precisará negociar com o centrão, bloco político que aumentou nestas eleições, para poder aprovar medidas de interesse do governo no Legislativo.

Ambos terão o desafio de formar maiorias, por exemplo, para aprovar Propostas de Emenda à Constituição (PECs), que exigem os votos de três quintos do Congresso, ou seja, de 308 deputados e 49 senadores. Nenhum dos dois candidatos possui, naturalmente, esse apoio.

No pleito deste ano, partidos de centro-direita conquistaram 273 das 513 cadeiras na Câmara dos Deputados, com destaque para o PL de Bolsonaro, que elegeu 99 deputados, além de 13 senadores, tornando-se o maior partido nas duas casas.

A federação Brasil da Esperança ― composta pelo PT, PCdoB e PV ― terá a segunda maior bancada da Câmara, com 79 parlamentares. No Senado, o PT tem nove nomes, sendo a quinta legenda com mais cadeiras.

A relação entre presidente e Congresso

Para o analista da CNN Fernando Molica, o fato de o PL ser o partido com mais cadeiras na Câmara e no Senado não significa que Bolsonaro, caso reeleito, não precise realizar articulações. “O PL tem uma bancada maior, mas não é uma maioria, não é metade mais um, então vai ter que negociar, assim como negocia agora”, avalia.

O cientista político e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Sérgio Praça, considera que, com o Congresso mais conversador e voltado à direita, pode ficar mais fácil para Bolsonaro governar com o Congresso mais conservador e voltado à direita, em comparação com o primeiro mandato. Ele avalia, porém, que a composição da Câmara e do Senado não significa, para Lula, mais dificuldade.

“Bolsonaro já tem acordos bem firmados, mas isso não impede Lula de firmar acordos também. Qualquer presidente parte de uma posição vantajosa nesse jogo de governabilidade porque tem poder sobre cargos e execução de emendas”, afirma.

Segundo ele, o fato de o Congresso estar inclinado mais à direita e um presidente mais à esquerda não significa menos governabilidade. O cientista político destaca que a Câmara nunca teve maioria de esquerda na Nova República.

“No entanto, o PT esteve no governo, e políticas públicas de esquerda foram propostas e aprovadas. Se o Lula for eleito e quiser fazer uma nova regra fiscal, não acredito que a ideologia parlamentar vai importar tanto. Talvez cargos e emendas importem mais”, acrescenta.

Praça avalia que o PT deve se manter como uma forte oposição caso Bolsonaro seja reeleito, por se tratar de um grande partido que venceu pleitos em estados importantes e não depende de negociações de emendas e cargos.

“O PT mostrou, principalmente depois de 2016, que tem uma capacidade de mobilização e enraizamento na sociedade que permite liderar a oposição”, avalia.

Segundo o professor de filosofia da Unicamp e presidente do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), Marcos Nobre, no caso de eleição de Lula, ele precisará atrair nomes que, atualmente, votam com Bolsonaro.

“Isso vai significar trazer partidos e parlamentares que, hoje, estão na coalizão eleitoral de Bolsonaro. Não se trata de trazer todos, mas vai ser necessário um rearranjo do sistema político para se ter um governo funcional, mesmo que não de super maioria”, aponta.

Nobre destaca que, ainda assim, a oposição a ser enfrentada por Lula deve ser forte. “Bolsonaro já conseguiu e pode conseguir mais estados importantes. Muitos cargos vão poder ser abrigados nos diferentes estados, tendo um tipo de compensação para parlamentares, mesmo que não tenham o governo federal. E seria assim que o bolsonarismo sobreviveria como oposição”, diz.

“Mesmo se Bolsonaro não for eleito, ele tem a chance, se quiser, se tiver vontade e o mínimo de habilidade, de ter um bloco muito forte que pode dificultar muito a ação do governo Lula”, avalia o analista da CNN Boris Casoy.

A cientista política e professora Alessandra Maia, da PUC-Rio, diz que o rearranjo político em caso de eleição do petista é possível. Segundo ela, o Congresso seguirá dividido, e parlamentares que não estão na bancada do PL ou do PT, alguns mais conservadores e outros mais ao centro, “não necessariamente votariam com o bolsonarismo”.

“A diferença dos campos políticos que não são a extrema direita é exatamente essa: eles podem divergir entre si, e por isso, podem estar com nuances um pouco mais ou menos conservadoras, ao centro, e para a centro-esquerda do espectro político”, diz.

Maia afirma acreditar que Lula, caso eleito, tenha boas chances de conseguir contornar a oposição a partir dos apoios que vem recebendo na formação de uma Frente Ampla pela Democracia e que o candidato a vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) tem papel fundamental nisso.

“Considero uma decisão crucial nesse sentido a aliança com Geraldo Alckmin, no passado seu adversário político. […] Também mostraram apoiar Lula Marina Silva, Fernando Henrique Cardoso, Simone Tebet, Ciro Gomes, Henrique Meirelles, Armínio Fraga, Pérsio Arida, Edmar Bacha, entre outros nomes não necessariamente ligados à esquerda”, diz.

A relação de Bolsonaro com o Congresso

Segundo a cientista política Joyce Luz, a relação entre Executivo e Legislativo se sustenta desde 1988 no chamado “presidencialismo de coalizão”. “Com isso, o presidente consegue boa parte do apoio necessário no Congresso para aprovar uma agenda política, estabelecendo uma relação de cooperação”, afirma.

No início do mandato, em 2019, Bolsonaro não deu espaço no governo aos partidos políticos, ficando sem o apoio de uma maioria do Congresso e não realizando ações para reverter esse cenário.

“O Executivo, no geral, bateu de frente com o Legislativo. As taxas de sucesso de Bolsonaro, que são a parcela de aprovação dos projetos que o presidente enviou ao Congresso, são de 52%, sendo que a média histórica sempre foi acima dos 70%”, coloca Joyce Luz.

Com o tempo, Bolsonaro cedeu a partidos como o PP (do presidente da Câmara, Arthur Lira, e do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira), PL e Republicanos, que formam a coligação do presidente nas eleições.

O analista da CNN Alexandre Borges defende a importância do Congresso e que parlamentares não atuem como “carimbadores de decisões do Executivo”. “A ideia de que um Congresso independente é um Congresso que atrapalha é uma ideia autoritária. Não é, é um Congresso que trabalha e é isso que a gente precisa mais do que nunca”, aponta.

Para Marcos Nobre, o discurso antissistema de Bolsonaro fez com que seu objetivo não fosse governar para a maioria. “Ele teve com o Congresso, em geral, uma relação focada nos seus apoiadores, seja para vetar coisas que os prejudicam ou para fortalecer a base de apoio. O resto, transferiu para o Congresso. Seu objetivo foi ter o suficiente para evitar um impeachment e mirar a reeleição”, diz.

Ao longo do mandato, o presidente começou a trilhar o caminho dos acordos, o que, segundo os especialistas ouvidos pela CNN, ficou explícito com a aproximação com o centrão e as emendas parlamentares do orçamento secreto, iniciadas em 2020 para delegar o controle das verbas federais a deputados e senadores em troca de apoio em votações.

“A partir de um certo momento, em especial com a diminuição de popularidade de Bolsonaro com a pandemia, ele começou a ter medo do impeachment. Ele estava tentando governar sem apoio do Congresso, mas não estava sendo muito bem-sucedido”, avalia Praça.

Para Nobre, o acordo do governo com o centrão no Congresso, envolvendo o orçamento secreto, resultou num acordo eleitoral com a construção de um “tripé” com PP, PL e Republicanos.

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