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Constituição em língua indígena é esperança para povos tradicionais e sinal de reconhecimento

A Constituição na língua Nheengatu, conhecida como o tupi moderno, foi traduzida por indígenas bilíngues da região do Alto Rio Negro e Médio Tapajós. O lançamento da Constituição ocorreu em São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, e também teve a ...

O Amazonas vem sendo pauta nacional nos últimos meses com o lançamento da primeira tradução oficial da Constituição Federal em língua indígena, de autoria da presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça, a ministra Rosa Weber. Indígenas se sentem esperançosos e vêem sinal de reconhecimento. 

A Constituição na língua Nheengatu, conhecida como o tupi moderno, foi traduzida por indígenas bilíngues da região do Alto Rio Negro e Médio Tapajós. O lançamento da Constituição ocorreu em São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, e também teve a participação da ministra Cármen Lúcia. 

Em entrevista ao Portal Em Pauta Online (EPO), a jornalista indígena Luciene Kaxinawá, 27 anos, do povo Huni Kui (Povo Verdadeiro), declarou que este fenômeno da tradução da Constituição em uma língua indígena é uma conquista tardia.

Foto: Reprodução/Instagram

“Demorou muito tempo para que pudéssemos ter uma conquista tão importante como essa. Na verdade demorou muito para que fossemos enxergados, como pessoas, brasileiros e como pessoas que não se enquadram no tal padrão social. Fico contente com essa conquista, feliz também com a participação dos parentes que participaram dessa construção, é assim que devem ser os processos inclusivos e construtivos que tem relação dos povos indígenas”, apontou a indígena. 

Luciene Kaxinawá relatou que, agora, os parentes vão ter a oportunidade de entender de fato sobre as leis, direitos e deveres como cidadãos brasileiros, pois nem tudo em suas línguas maternas tem tradução para o português, e assim fica mais fácil o entendimento na língua materna. 

A jornalista Luciene Kaxinawá disse que enxerga o lançamento da Constituição em língua indígena como um ato de direito e reconhecimento.  “Um ato de direito e reconhecimento das nossas lutas, luta pela vida, pela garantia dos nossos direitos e para que possamos estar cientes das ameaças políticas, a constituição é a nossa base para construção de leis, podemos discutir agora por exemplo a inconstitucionalidade do Tema Marco temporal e outros assuntos”, declarou a jornalista.

Kaxinawá afirmou ainda, ao Em Pauta Online, que o lançamento da Constituição é apenas o começo, onde esperam que esse mesmo ato se expanda para mais povos, mais e mais línguas, para que também as pessoas entendam as diversidades dos povos indígenas. “Que possamos nos sentir, incluídos e valorizados, porque também fazemos parte da construção desse país”, acrescentou Kaxinawá.

Por outro lado, em entrevista também ao Em Pauta Online, o jornalista, radialista, músico e artesão, indígena José Tikuna, 49 anos, ressalta que a Carta Magna em Nheengatu não servirá para todos os povos indígenas, porque no Brasil há mais de 200 línguas faladas.

O indígena José Tikuna é do município Benjamin Constant, a 1.119 quilômetros de Manaus, contudo, atualmente reside na capital amazonense. Tikuna destaca que poderia ser realizada mais tradução da Constituição em outras línguas indígenas, existentes no Brasil. 

“Se fosse em cada língua indígenas existentes no Brasil, aí sim! Seria melhor, porque todos poderiam entender. No meu ponto de vista, hoje poucas pessoas são falantes da língua Nheengatu. Agora, o pessoal do Alto Rio Negro a marioria é falante da lingua”, disse Tikuna.     

Foto: Reprodução/Instagram

Para o Tikuna, a Constituição na língua Nheengatu é complicada. “Este fenômeno é bem complicado, porém, por um lado é positivo para quem entende. É uma coisa que está acontecendo, que é inacreditável. Estou perplexo com isso, mas como já está feito, fazer o quê, né?”, ressaltou Tikuna. 

José Tikuna narra acreditar que a primeira tradução da Constituição na língua indígena seja uma iniciativa para realizarem mais traduções de outros povos indígenas. “Assim, cada povo vai entender a Constituição em seu  idioma, e fica bem mais fácil”, finalizou Tikuna.   

“simbologias e reflexões”

Para o pós-doutor em Direito Constitucional Allan Carlos Magalhães, o lançamento da primeira tradução da Constituição para o Nheengatu (língua indígena) é repleto de simbologias que impulsionam reflexões. 

“Uma delas é a escolha do local para o lançamento deste documento jurídico na língua Nheengatu, no município de São Gabriel da Cachoeira, distante do centro do poder, mas próximo aos povos indígenas e as suas culturas”, frisa Allan Carlos Magalhães. 

Foto: Reprodução/Instagram

O Dr. Allan Carlos Magalhães ressaltou, que a tradução trata-se do reconhecimento da importância dos povos indígenas e da necessidade de respeito aos seus direitos, o que apenas é possível dando acesso ao conjunto de normas jurídicas fundamentais que disciplinam a nossa vida em sociedade – a Constituição (Mundu sá turusú waá 1988) .

“Mas, o acesso a “Mundu sá turusú waá 1988” na língua Nheengatu é também uma forma de afirmar a diversidade cultural e linguística. Espera-se com isso despertar na população o interesse por conhecer as línguas indígenas e as suas respectivas culturas, e esse despertar promova interações culturais construtivas e de respeito recíproco entre os diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”, declarou Magalhães.

Allan Carlos Magalhães é pós-doutor em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR), mestre em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA), advogado da União (AGU), integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas em Direitos Culturais (GEPDC/UNIFOR) e do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult). 

Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF

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