As pistas sobre o que pode vir a acontecer na superfície da floresta, por incrível que pareça, vieram do fundo do mar. Os pesquisadores analisaram vestígios de pólen e microcarvão preservados em sedimentos marinhos que representam o que estava fluindo pela foz do Rio Amazonas milhares de anos atrás — incluindo um período em que a grande circulação do Atlântico foi temporariamente interrompida por processos climáticos e oceanográficos associados ao fim da era do gelo. Essa matéria orgânica, que fluía pelas artérias fluviais do bioma e acabava depositada no fundo do mar, serve como evidência do que estava acontecendo com a floresta no interior da Bacia Amazônica como um todo. É como se os cientistas estivessem analisando uma “amostra de sangue” da Amazônia do passado, preservada no fundo do oceano.
Neste caso, a bolsa de sangue é um um cilindro vertical de sedimentos compactados (que os cientistas chamam de testemunho) com mais de 7 metros de comprimento, extraído do leito marinho ao norte da Guiana Francesa — por onde passa a pluma de sedimentos da foz do Amazonas —, a mais de 2,5 mil metros de profundidade. A amostra foi coletada em 2012, durante uma expedição realizada com o navio de pesquisa alemão RV Maria S. Merian, que Chiessi liderou em parceria com colegas da Alemanha, que também assinam o estudo na Nature Geoscience. Praticamente todo o sedimento que recobre o leito marinho nessa região é de origem amazônica, segundo Chiessi, e há muitas “assinaturas” químicas e moleculares que os cientistas utilizam para comprovar a identidade e a idade desse material.
As análises do material contido no testemunho indicam que a cobertura florestal da Amazônia passou por transformações importantes nesses dois períodos. No Último Máximo Glacial, segundo os pesquisadores, houve uma expansão de espécies de ecossistemas montanos (melhor adaptadas às baixas temperaturas do período) dos Andes e das Guianas para as terras baixas da Amazônia, onde antes predominavam espécie de clima quente e úmido. “Houve uma mudança bastante significativa na composição da floresta, mas ela nunca deixou de ser floresta”, destaca Akabane, em entrevista ao Jornal da USP.
Já no HS1 as coisas ficaram mais complicadas. Com o fim da era do gelo, a temperatura voltou a subir, empurrando a vegetação montana de volta para o topo das montanhas e abrindo espaço para a retomada das terras baixas da Amazônia por vegetação tropical. Ao mesmo tempo, porém, o colapso da Amoc causou um deslocamento do “cinturão tropical” de chuvas para o sul da Amazônia, deixando a porção norte do bioma desidratada. Além de florestas sempre verdes, a região foi ocupada por um mosaico de florestas sazonais e trechos de savanas. Não foi uma “savanização” completa, mas a floresta ficou muito mais seca. Foi só por volta de 14,8 mil anos atrás, no fim do HS1, que a cobertura florestal da Amazônia começou a assumir sua configuração atual.
Tendo visto o que aconteceu no passado, o próximo passo foi simular o que poderá acontecer no futuro se as condições ambientais presentes no HS1 voltarem a se manifestar — desta vez, em função das mudanças climáticas provocadas pelo homem. Para isso, os pesquisadores fizeram projeções em computador, utilizando programas que simulam o funcionamento do clima no planeta em diferentes configurações. Neste caso, os cientistas simularam o que aconteceria com o clima da Amazônia num cenário de enfraquecimento severo da Amoc da ordem de 50%.
As projeções indicam que deverá ocorrer um deslocamento do “cinturão de chuvas tropicais” para o sul do bioma, exatamente como aconteceu no HS1. Em outras palavras, o norte da Amazônia ficará mais seco e menos propício à sobrevivência das florestas tropicais úmidas que existem lá atualmente, enquanto que as porções sul e leste do bioma ficarão mais úmidas e propícias ao crescimento de florestas. O problema é que essas são, justamente, as regiões mais desmatadas e ocupadas da Amazônia atualmente, “onde é difícil imaginar que a floresta terá áreas livres para se expandir”, pontua Akabane.
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