Mais uma vez, lideranças de diversos povos indígenas vêm a Brasília para acompanhar a continuidade do julgamento do Tema 1.031 do Supremo Tribunal Federal (STF). Trata-se do Recurso Extraordinário nº 1.017.365, com repercussão geral reconhecida em 2019 pela Suprema Corte.
Com início do julgamento no ano de 2021 e continuidade nos anos de 2022 e 2023, agora a Corte Constitucional tem a chance, nos dias 20 e 21 de setembro, de finalizar os debates e a análise de mérito do caso, para fixar uma tese sobre a interpretação do estatuto jurídico-constitucional dos direitos territoriais indígenas.
No centro da disputa há duas teses:
A tese do chamado “marco temporal”, uma tese ruralista que restringe os direitos indígenas. Segundo esta interpretação, considerada inconstitucional, os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estivessem em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Essa tese é defendida por empresas e setores econômicos que têm interesse em explorar e se apropriar das terras indígenas.
Oposta ao marco temporal está a “teoria do indigenato”, consagrada pela Constituição Federal de 1988. De acordo com ela, o direito indígena à terra é “originário”, ou seja, é anterior à formação do próprio Estado brasileiro, independe de uma data específica de comprovação da posse da terra (“marco temporal”) e mesmo do próprio procedimento administrativo de demarcação territorial. Esta tese é defendida pelos povos e organizações indígenas, indigenistas, ambientalistas e de direitos humanos.
O direito dos povos indígenas é originário; é anterior inclusive à formação do próprio estado brasileiro. Não existe nenhum marco no tempo que possa delimitar esse direito. Porque estamos falando de vida, de proteção de comunidades e povos inteiros.
E o marco temporal acaba com a Constituição Federal, acaba com o consenso que a sociedade brasileira se deu em 1988. Porque o direito dos povos a seus territórios é originário e é um direito fundamental; nenhuma instituição, nem o Congresso, podem reduzir ou eliminar direitos fundamentais. De ninguém; dos povos indígenas também não.
Para o presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e Arcebispo de Porto Velho, Rondônia, e membro da REPAM-Brasil, Dom Roque Paloschi, se espera que Supremo conclua o julgamento, que os cinco ministros que ainda precisam votar que o façam, que votem de maneira majoritária afastando a tese inconstitucional do Marco Temporal, que os territórios sejam respeitados, as culturas protegidas e sua dignidade assegurada pelo sistema judiciário brasileiro.
“É difícil esperar, mas enfim, esperamos do presidente da comissão de constituição e justiça e do Presidente do Senado Federal e do Congresso Nacional que tenham um senso de estado para paralisar apreciação e ouvir os povos indígenas, portanto superar esse projeto de lei”, declara Dom Roque.
“A grande expectativa é que no mínimo mais dois juízes votem, fazendo maioria para que esse recurso seja derrubado. A chamada tese do Marco Temporal, afirma que as Comunidades Indígenas só terão direito aos territórios já ocupados ou disputados até 5 de outubro de 1988, quando foi promulgada a nossa atual Constituição. Portanto, altamente nocivo aos Povos Indígenas”, afirma Dom José Ionilton, bispo da Prelazia de Itacoatiara (AM) e presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e secretário da Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM-Brasil).
Para Dom Ionilton, esse projeto é inconstitucional porque fere ao Artigo 231 que determina: “São reconhecidos aos indígenas sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
Fere, também, o artigo 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que determina a necessidade de se realizar uma consulta livre, prévia e informada sempre que alguma obra, ação, política ou programa for ser desenvolvido e afete aos povos tradicionais.
Dom Ionilton ainda lembra que o marco temporal se contrapõe aos esforços de Proteção Ambiental e enfrentamento das mudanças climáticas, que tanto se tem falado nos últimos tempos no Brasil no mundo.
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