Na próxima terça-feira (21), o colegiado deve pôr em pauta um projeto de lei que quer mudanças no Código Civil para determinar que “a personalidade civil do ser humano começa desde a sua concepção”, pauta também conhecida como direito do nascituro.
Pelo lado conservador da comissão, há alguns parlamentares que construíram sua carreira na defesa dos costumes e da família, como: o pastor Marco Feliciano (PL-SP); a deputada Chris Tonietto (PL-RJ), presidente da Frente Parlamentar Contra o Aborto; e Silas Câmara (Republicanos-AM), presidente da bancada evangélica na Câmara.
Já na base, Erika Hilton (PSOL-SP), Erika Kokay (PT-DF) e Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ) são os deputados que assumem a frente progressista dos debates na comissão.
Esses deputados de esquerda consideram que eventual mudança no tema pode, na prática, abrir a possibilidade de se restringir o aborto nas três situações em que é permitido no Brasil:
- em caso de gravidez decorrente de estupro;
- em caso de feto anencéfalo — sem cérebro –;
- e em caso de risco de morte da mãe.
Hoje, o Código Civil define que a personalidade civil da pessoa começa no nascimento com vida. Mas fixa que “a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.
Na justificativa desse projeto de lei, apresentado pela deputada federal Chris Tonietto (PL-RJ), em 2019, a parlamentar diz que a redação do Código Civil é “contraditória” e que é preciso “adequar a legislação civil ao Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana sobre Direitos Humanos)”.
A intenção dela é fazer com que todo ser humano tenha direito ao reconhecimento da personalidade jurídica, mesmo que ainda não tenha nascido.
Para tentar barrar os avanços das pautas morais, a estratégia da base do governo é a obstrução, que consiste em usar as regras do regimento interno da Câmara para arrastar as discussões e adiar as votações.
No caso do projeto de lei que proíbe o casamento homoafetivo, foram as seguidas obstruções que fizeram com que a tramitação da matéria se alongasse por mais de dois meses, desde que foi colocada em pauta até a votação.
Ainda assim, os conservadores saíram vitoriosos e aprovaram o texto que restringe o casamento e união estável a uniões heterossexuais com larga vantagem: 12 votos a 5.
Antevendo a derrota, a base governista solicitou à Mesa Diretora da Câmara que o projeto fosse enviado à Comissão de Defesa dos Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial, cujo ambiente é mais favorável, uma vez que a presidência está na mão de uma petista, a deputada Luizianne Lins (PT-CE). E assim foi feito.
O mesmo já vem sendo articulado com a lei do nascituro. A deputada Erika Kokay já pediu à Mesa da Câmara a redistribuição do projeto para a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e aguarda a deliberação.
O presidente da Comissão da Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família, deputado Fernando Rodolfo (PL-PE), afirmou à CNN que pretende pautar todos projetos de lei da comissão que estão “engavetados”, incluindo as pautas relacionadas aos costumes.
Próximos passos
Depois do estatuto do nascituro, a próxima pauta a ser discutida no colegiado será o projeto de lei que pretende proibir o registro de união poliafetiva.
No texto, de autoria do deputado Vinicius Carvalho (Republicanos-SP), a justificativa da proposta é de que “reconhecer a poligamia no Brasil é um atentado que fere de morte a família tradicional, em total contradição com a nossa cultura e valores sociais”.
A proposta aguarda votação no colegiado, onde recebeu parecer favorável do relator, deputado Filipe Martins (PL-TO).
Apesar de não haver proibição legal da constituição de família composta por três ou mais pessoas, não existe reconhecimento, em lei, dessa possibilidade de união. Embora, haja casos de reconhecimento do Estado de uniões poliafetivas em caso de pensões e planos de saúde.
Antonio Testa, cientista político e doutor em Sociologia, aponta que nas últimas décadas houve um crescimento da participação de parlamentares defensores das pautas conservadoras e ligados às igrejas, sejam elas católicas ou evangélicas. Isso fez com que essas temáticas ganhassem mais força no Congresso Nacional.
Na avaliação de Testa, o objetivo dos deputados membros da comissão ao trazer à tona projetos de lei sobre comportamentos e costumes é pautar o debate público e movimentar as bases eleitorais de olho nas eleições municipais de 2024.
“Essas pautas de costumes e valores sempre foram problemáticas no Congresso, nunca houve consenso. Não se discute direitos nem deveres, apenas os interesses por trás. Essas pautas vão avançar até um determinado ponto. Mas, no fim, não muda nada”, afirma.
“Os parlamentares querem ter visibilidade, faz parte do jogo político. As pessoas se posicionam, gravam mensagens e mandam para seus eleitores. Eles vão disputar eleições no ano que vem e têm que mostrar suas bandeiras para o eleitorado, ainda que essas pautas tenham poucas chances de serem aprovadas”, completa.
A cientista social e analista política Elisa Araújo avalia que como as pautas econômicas ganham atenção predominante e costumam ser acompanhadas de grandes acordos com os líderes partidários, os deputados que querem se destacar precisam do debate de pautas polêmicas para aparecer.
“Essas são pautas onde os parlamentares ficam livres para apoiarem o que quiserem, para fazer o debate como acham que tem que ser. O ambiente da Câmara é pulverizado e alguns parlamentares precisam chamar a atenção de alguma maneira no debate público. É nas pautas de costumes que eles encontram espaço para se diferenciar e colocarem seus pensamentos, por mais absurdos que possam parecer”, afirma Araújo.
Apesar das críticas, Testa afirma que a discussão de temas tabu na comissão atingem a população, que passa a pensar e discutir essas temáticas.
“O Brasil avançou muito pouco no debate das questões dos costumes, mas pelo menos está se discutindo isso hoje. O debate informa as pessoas, algumas bem, outras mal, para um lado ou para o outro”, conclui.
Para Araújo, o desconhecimento da população do processo legislativo pode ser terreno fértil para a criação de narrativas não-verdadeiras.
“Um parlamentar que aprova uma matéria em colegiados como esse,mesmo sem efeitos práticos, transforma o fato numa coisa enorme em sua base. Os vídeos nas redes sociais transformam em verdade os discursos e confundem aqueles que não sabem todo o rito de aprovação de um projeto de lei”, pontua.
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