Manaus – Em meio a denúncias de violência em operações policiais e preocupações com a contaminação por mercúrio, o Ministério Público Federal (MPF) realizou, no último dia 6 de outubro, audiência pública virtual para discutir os impactos socioambientais do garimpo ilegal nas sub-bacias do Rio Madeira, do Amazonas (entre os rios Madeira e Trombetas) e do Tapajós, no território amazonense. O evento integra o Procedimento Administrativo nº 1.13.000.000071/2025-65, destinado a acompanhar e fiscalizar ações interinstitucionais de combate à mineração irregular no Estado.
A sessão, realizada pela plataforma Zoom, contou com a participação de 28 a 40 pessoas, entre representantes de órgãos ambientais, forças de segurança, pesquisadores, organizações da sociedade civil, prefeitos e lideranças de garimpeiros. O encontro foi conduzido pelo procurador da República André Luiz Porreca Ferreira Cunha, que destacou a complexidade histórica do garimpo na região e os efeitos tóxicos do uso de mercúrio na atividade.
“O Ministério Público Federal atua tanto na esfera criminal quanto na tutela coletiva cível, buscando a reparação de danos e a prevenção de ilícitos. O sistema de justiça não é contra as pessoas, mas contra o crime”, afirmou o procurador, ressaltando que o órgão é autônomo e essencial à defesa da ordem jurídica e do meio ambiente.
Mercúrio: risco para a saúde e o meio ambiente
Durante a audiência, Jesem Orellana, pesquisador da Fiocruz/Amazônia, apresentou estudos que apontam altos níveis de contaminação por mercúrio em peixes, águas e amostras humanas no Rio Madeira. O cientista alertou para os efeitos neurológicos e renais da exposição ao metilmercúrio, destacando que o problema afeta principalmente populações ribeirinhas e indígenas.
“O garimpo ilegal gera riqueza para poucos, mas deixa destruição ambiental, intoxicação e vulnerabilidade social para muitos”, declarou Orellana, defendendo programas de vigilância epidemiológica e incentivos a atividades sustentáveis como o turismo ecológico e o extrativismo de valor agregado.
Garimpeiros e municípios cobram alternativas econômicas
O professor Edilany, de Humaitá, propôs a criação de um programa de piscicultura em tanques-rede para substituir a renda proveniente do garimpo. Segundo ele, mais de 1.400 famílias da região dependem diretamente da atividade. Já Francineli, representante local, criticou as restrições impostas e questionou a validade dos estudos sobre contaminação, sugerindo que parte do mercúrio poderia ter origem natural.
O prefeito de Humaitá, Dedei Lobo, denunciou o uso de bombas de gás e helicópteros em operações policiais próximas a escolas, o que teria provocado pânico e suspensão das aulas por uma semana. Ele defendeu o fim do uso do mercúrio e anunciou a intenção de apresentar projeto de lei para substituição total da substância, em conformidade com o Tratado de Minamata.
O procurador do MPF afirmou que as denúncias serão investigadas mediante provas documentais e reiterou que o combate ao crime deve respeitar os limites legais. Também reforçou que a atividade garimpeira é constitucionalmente prevista, mas depende de título minerário e licença ambiental — requisitos muitas vezes ignorados em operações clandestinas.
Organizações ambientais e povos tradicionais
Representando o WWF-Brasil, Ariene Cerqueira apresentou o Observatório do Mercúrio na Amazônia, iniciativa que monitora a contaminação e apoia cadeias produtivas sustentáveis como a da castanha e da borracha. Ela defendeu a responsabilização de toda a cadeia do ouro, incluindo exportadores e compradores, e a ampliação do investimento em educação científica.
Dionéia Ferreira, das redes Reta e ASA, cobrou salvaguardas para populações ribeirinhas afetadas por ações repressivas e defendeu o reconhecimento dos garimpeiros do Rio Madeira como povos e comunidades tradicionais, conforme a Convenção 169 da OIT. Ela denunciou o uso recorrente de explosivos em lagos desde 2019, muitas vezes sem repercussão pública.
O MPF informou que o tema será encaminhado ao ofício especializado em povos indígenas e comunidades tradicionais, destacando a importância de uma atuação articulada entre os órgãos públicos.
Propostas de legalização e sustentabilidade
Lideranças de cooperativas, como Ivan, Mauri, Genildo Barbosa Serudo, Rosário Leão e Admir, defenderam a legalização do garimpo e a criação de Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) com o MPF para retirar os trabalhadores da clandestinidade. As falas convergiram na crítica à falta de políticas públicas e à concentração da riqueza do ouro nas mãos de poucos intermediários.
“Nunca vi um garimpeiro ficar com mais de 10% do ouro que extrai”, observou o procurador André Porreca, ao reforçar que o objetivo institucional é garantir formas dignas e lícitas de subsistência para as famílias dependentes da mineração.
Encerramento e próximos passos
Ao final da audiência, o MPF informou que novas reuniões serão realizadas em outras regiões do Estado e que o material gravado ficará disponível para consulta pública. O procurador reafirmou a abertura para recebimento de denúncias, documentos e propostas pelo canal oficial MPF Serviços (https://www.mpf.mp.br/mpfservicos).
A ata da audiência pública foi lavrada em 10 de outubro de 2025 e assinada pelo procurador da República André Luiz Porreca Ferreira Cunha, além dos estagiários David dos Santos Cavalcante e Evellyn Garcia Ferreira da Silva, e dos servidores Elian Wanderley de França Sobrinha e João Leandro Cury Nogueira, que acompanharam os trabalhos.
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