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Amazônia recebe final de ‘gincana’ da biodiversidade – com prêmio de US$ 10 mi

Edição de florestas tropicais da competição tecnológica XPrize quer acelerar o mapeamento da biodiversidade nesses biomas
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Divulgação

Mais de 1 milhão de espécies animais e vegetais estão ameaçadas de desaparecer da face da Terra, colocando em risco o bem-estar, o sustento e, no limite, a existência dos seres humanos. Além disso, metade da economia global, ou US$ 44 trilhões, depende de alguma maneira da natureza, de acordo com um cálculo do Fórum Econômico Mundial.

De olho nos riscos associados a esse cenário, uma competição global para acelerar o mapeamento da biodiversidade das florestas tropicais do planeta e, com isso, fomentar a sua preservação, acaba de chegar à reta final, depois de cinco anos de seletivas.

A largada para o Alana Xprize Rainforest foi dada em 2019, com 300 equipes inscritas, compostas por cientistas de 70 países e diversos campos do conhecimento. Em julho, as seis finalistas que disputam o prêmio de US$ 10 milhões – incluindo uma brasileira – levaram para dentro da floresta amazônica as tecnologias desenvolvidas para a última prova da competição.

Cada uma delas teve 24 horas para a coleta de material e 48 horas para análise e produção dos relatórios com os achados. O time vencedor, a ser anunciado na cúpula do G20, no Rio em novembro, será aquele que tiver conseguido mapear o maior número de espécies.

Não se trata de “rocket science”, mas sim de adaptar à missão tecnologias já existentes.

Drones na floresta

As rotas tecnológicas foram variadas, mas de modo geral os times acoplaram diferentes equipamentos a drones e rovers – carrinhos autônomos – para captar imagens e sons dos animais, plantas e microorganismos da floresta.

Também foram coletadas amostras de solo e água. Elas contêm material genético residual, o chamado eDNA ou DNA ambiental. As equipes usaram inteligência artificial para fazer a identificação do que foi encontrado, com validação pelos cientistas.

O resultado da competição vai muito além do anúncio dos vencedores.

“É mais do que um prêmio. É um incentivo à colaboração entre cientistas do mundo todo, de áreas como robótica, bioacústica, biologia e genética, para resolver o desafio de fazer o mapeamento massivo, rápido e de baixo custo, numa floresta que é densa e úmida”, diz Pedro Hartung, CEO da Alana Foundation, patrocinadora do prêmio.

“Diferentemente de prêmios que reconhecem o que já existe, o Xprize é um incentivo à pesquisa. Fomos lá no futuro, pegamos tecnologias que demorariam 10 anos para serem desenvolvidas e as trouxemos para o presente.”

US$ 500 mi em prêmios

A Fundação Xprize, criada em 1994 em Los Angeles, é uma grande franquia de competições globais para antecipar soluções tecnológicas para os grandes desafios da humanidade.

Até hoje já foram lançadas 30 edições, com prêmios somados de mais de US$ 500 milhões, em áreas como saúde, educação, remoção de carbono, proteínas alternativas e escassez de água.

Cada competição conta com um parceiro, que pode ser uma empresa, instituição filantrópica ou indivíduo, que doa o valor do prêmio em dinheiro e também apoia todo o processo. Entre os doadores estão nomes como Amazon, Google e o bilionário Elon Musk.

A edição voltada às florestas tropicais nasceu com um pé no Brasil, a partir da sugestão da empresária e filantropa Ana Lúcia Villela, acionista do Itaú e fundadora do Instituto Alana. Desde 2018, Villela integra o conselho de inovação do Xprize, que tem a função de sugerir novos desafios.

Embora as florestas tropicais sejam apontadas como peça fundamental da regulação do clima no planeta e associadas à existência de uma enorme biodiversidade vegetal e animal, a verdade é que apenas uma fração dela está devidamente mapeada.

“Ninguém ama o que não conhece. E ninguém protege aquilo que não ama”, disse Villela, parafraseando Santo Agostinho, na cerimônia que marcou a abertura da final da competição, realizada no dia 3 do mês passado no Teatro Amazonas, em Manaus.

‘Brasil’ na final

Depois das semifinais realizadas em Cingapura em março de 2023, a prova decisiva aconteceu em julho na comunidade Tumbira, no Estado do Amazonas.

Entre as finalistas, há três equipes registradas como norte-americanas, uma suíça, uma espanhola e uma brasileira – todas compostas por cientistas de múltiplas nacionalidades.

Entre os dias 6 e 26, cada uma teve 24 horas para esquadrinhar 100 hectares de floresta e outras 48 horas para analisar os dados e produzir relatórios com seus achados.

O mapeamento tinha que ser feito de maneira remota, sem que as equipes circulassem pela mata para fazer a coleta de evidências, ou seja, apenas com o emprego de parafernalhas tecnológicas.

Ao levar as tecnologias dos laboratórios para o território, houve surpresas nem sempre agradáveis.

Fugir de tecnologias hipersofisticadas como o pet hollywoodiano foi o norte dos trabalhos da equipe suíça ETH Biodivx, uma das finalistas.

“Não queríamos empregar tecnologias que só a Nasa pudesse usar. Nossa ideia foi pegar aquelas que já existem e adaptá-las para pessoas comuns”, diz o biólogo manauara Gabriel Nunes, brasileiro infiltrado no grupo de 50 pessoas.

Laboratório portátil

A equipe fez testes com um drone de última geração, caríssimo, mas abandonou a ideia, preferindo usar um modelo de baixo custo que pode facilmente ser adquirido por comunidades amazônicas, por exemplo. Com esse mesmo princípio, a equipe também desenvolveu um laboratório de análise genética compacto, que cabe numa mochila.

“Mas o que mais me orgulha nesse trabalho todo não tem nada a ver com a prova final”, diz Nunes.

A partir das soluções, a equipe está criando uma startup de monitoramento de biodiversidade; e as comunidades locais serão capacitadas para usá-las. Um sistema de pagamento digital irá remunerá-las pelas informações recolhidas.

Além disso, a ideia é incorporar as tecnologias às necessidades locais. Por exemplo, uma comunidade que extrai o cupuaçu poderá fazer o monitoramento das árvores e dos frutos para saber quais estão em ponto de colheita e, com isso, evitar deslocamentos desnecessários pela floresta.

Outra aplicação possível: usar um gravador subaquático para identificar a aproximação de cardumes de peixes. “Hoje, os pescadores esperam sete dias dentro de um barco, sem saber se o cardume passará ou não por eles”, diz Nunes.

“Nossa ideia é escalar todas as soluções para a população local e assinamos acordos de partilha dos benefícios obtidos.” Caso ganhe, a equipe se compromete a usar parte dos recursos para equipar comunidades locais.

Achando novas espécies

No Brazilian Team, único da América do Sul, o eventual prêmio também já tem destino certo: será revertido para enriquecer o banco de dados de espécies amazônicas.

Apesar das tecnologias promissoras para coleta de material, o mapeamento esbarra na falta de bancos de espécies que permitam o cruzamento das informações obtidas para identificação das plantas e animais.

“Quase não existem informações de espécies amazônicas nos bancos de dados mundiais. No caso das árvores, apenas 20% a 30% das espécies constam das bases globais”, diz o botânico Vinícius de Castro Souza, pesquisador e professor da Esalq/USP e coordenador da equipe brasileira, que reúne 100 pessoas.

“Em 24 horas conseguimos mapear mais de uma centena de plantas, um trabalho que, tradicionalmente, levaria meses de pesquisa de campo. Também identificamos duas espécies de animais até então não descritas”, celebra ele. “O concurso foi sensacional para nos motivar a quebrar a cabeça e achar soluções. Usamos ferramentas que já existem, mas as metodologias e estratégias são novas e revolucionárias.”

BRAZILIAN TEAM TOTAL ENERGIES

“A inovação não é só de hardware, de drone. Como estamos falando do mundo acadêmico, a inovação é também de processos, de protocolos e metodologias que barateiam todo o trabalho”, diz Pedro Hartung, do Alana. “Uma das equipes fez um breakthrough científico e terá que publicar o achado: eles reduziram drasticamente o custo do eDNA.”

Fase de impacto

Até agora, o XPrize terminava com o anúncio da equipe vencedora. Com a edição Rainforest a história será diferente. Pela primeira vez, a competição será seguida pelo que está sendo chamado de ‘fase de impacto’.

“Existem seis equipes com soluções já validadas em campo, viáveis e escaláveis, tanto para o mercado quanto para a pesquisa. Mas o prêmio só faz sentido se conseguirmos que elas sejam aplicadas de verdade onde precisa”, afirma Hartung.

A fase de impacto vai durar até a COP30, a ser realizada em Belém (PA), em novembro do ano que vem. “Durante esse período, vamos apoiar as equipes em projetos piloto.”

Ele diz que as aplicações em estudo vão desde convênios para pesquisa de biodiversidade em si, passando pelo uso das tecnologias para o monitoramento e defesa dos territórios pelas comunidades indígenas e ribeirinhas, e também o desenvolvimento da bioeconomia da floresta.

“A ideia é garantir a floresta em pé, mas uma floresta viva, que inclui as pessoas que vivem lá e que precisam tirar sua renda dela. Conhecendo mais a biodiversidade, temos a possibilidade de construir uma sócio-bioeconomia mais sustentável e justa.”

E o que tudo isso tem a ver com a defesa dos direitos das crianças, o foco de atuação do Instituto Alana desde a sua fundação há 30 anos? “A perda da biodiversidade ameaça a vida humana de maneira significativa pela falta de água, pela falta de alimento, falta de medicamento. E quem mais sofre com isso são as crianças, especialmente no Sul Global”, diz Hartung.

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