O presidente Jair Bolsonaro (PL) tem buscado se movimentar cada vez mais nos bastidores com o intuito de minar o crescimento (observado em pesquisas de opinião como a do Ipec) de uma “chapa lavajatista”, segundo definição de aliados, para a corrida eleitoral pelo comando do Palácio do Planalto no ano que vem. A articulação dos ataques é atribuída aos filhos do presidente.
A “chapa lavajatista”, encabeçada pelo ex-juiz Sergio Moro, conta com o endosso do ex-procurador Deltan Dallagnol, que deixou o MPF (Ministério Público Federal) para, assim como o ex-magistrado, filiar-se ao Podemos e migrar para a política. Os dois são personagens centrais na trajetória da Lava Jato —evento que ajudou a impulsionar o campo da direita conservadora nas eleições de 2018. Deltan deve concorrer a uma cadeira no Congresso Nacional.
Desde outubro, Bolsonaro vinha sendo aconselhado a “não dar tanto cartaz” a Moro, adversário que tem se apresentado como “terceira via” e que foi ministro da Justiça em seu governo até abril de 2020.
Embora fizesse eventualmente críticas e enviasse indiretas ao ex-subordinado, o presidente, em vários momentos, evitou citá-lo nominalmente —inclusive nas conversas informais com apoiadores na entrada do Palácio da Alvorada. Aos poucos, o governante adaptou a estratégia e começou a elevar o tom contra o adversário.
Filhos políticos
O papel de uma ofensiva mais contundente a Moro e seus potenciais aliados —grupo que inclui Deltan— foi atribuído desde o começo aos filhos políticos do presidente, Carlos (vereador do Rio pelo Republicanos), Eduardo (deputado federal pelo PSL-SP) e Flávio (senador pelo PL-RJ).
Nas mídias digitais, o trio vem se esforçando para associar a Moro a pecha de “traidor”, “ingrato” e “anticristão”, além da tese de que o ex-magistrado teria agido supostamente para beneficiar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Nos bastidores, há entendimento de que Bolsonaro divide voto com Moro no campo da direita, e é por essa razão que os filhos do presidente, em especial o vereador carioca Carlos Bolsonaro (Republicanos), que exerce influência no chamado “gabinete do ódio”, foram escalados para tentar “conter” o crescimento de Moro em territórios digitais predominantemente bolsonaristas.
Em seu canal no Telegram, Carlos começou a publicar mensagens críticas a Moro já em outubro desse ano, quando o ex-juiz federal ainda se mostrava indeciso quanto ao convite do Podemos para concorrer à Presidência.
À época, o vereador carioca postou uma foto de Lula “pisando na bandeira do Brasil” e, na legenda, citou várias figuras públicas que teriam (na visão dele) algum tipo de conexão entre si, entre os quais Moro, João Doria (pré-candidato à Presidência pelo PSDB), Luiz Henrique Mandetta (ex-ministro da Saúde), o deputado federal Marcelo Freixo (PSB-RJ), entre outros.
No mês seguinte, o filho do presidente conhecido como “02” (o segundo mais velho) passou a compartilhar vídeos de youtubers bolsonaristas que, na visão dele, falariam a “verdade” sobre o ex-ministro da Justiça. Novamente, Carlos tentou associar Moro a Lula, referindo aos dois como “Lulinha e Serginho”.
“Quem poderia imaginar”, ironizou o vereador, em mensagem acompanhada de um vídeo produzido por um canal de apoio ao governo do pai. O material é intitulado da seguinte forma: “Lula milionário! Agradeça ao Moro + Bonoro e 22: Tarcísio volta atrás + 20 celulares do adv [advogado] do Adélio”.
Para Flávio, Moro é “traidor” e “anticristão”
Também no Telegram, o filho mais velho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro, tem tentado colar em Moro a pecha de “traidor” — o ex-ministro da Justiça deixou o cargo em abril de 2020 depois de, segundo ele, recusar-se a lidar com suposta tentativa de interferência de Bolsonaro no comando da Polícia Federal.
Em novembro, o parlamentar divulgou em seu canal um vídeo com relatos de apoiadoras de Moro que supostamente “passaram meses acampadas em frente à Justiça Federal de Curitiba”, “enfrentando sol, chuva e o ódio de petistas”. “Assista até o fim e conheça o verdadeiro Sergio Moro: traição e ingratidão!”, escreveu o senador.
Em mais um compartilhamento de materiais produzidos por canais bolsonaristas, Flávio escreveu a seguinte mensagem: “Moro anticristão”. O objetivo foi endossar e reproduzir o raciocínio de uma comentarista que, no vídeo em questão, relacionou trecho do discurso de estreia de Moro na política (“as pessoas acima de tudo”) a suposto plágio do slogan de Bolsonaro na campanha eleitoral de 2018 (“Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”).
“Ele mostra que ele é anticristão”, afirma a comentarista e apoiadora do governo. “Nós dois somos cristãos, como a maioria do brasileiro. E a gente sabe que acima de Deus não tem nada nem ninguém.”
Caso Adélio
Já o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) reproduziu no começo de novembro notícia sobre o depoimento do pai à Polícia Federal, em que o presidente da República afirmou que o ex-subordinado, na condição de ministro da Justiça, não demonstrava empenho para tentar solucionar o “caso Adélio” —referência a Adélio Bispo, autor do atentado a faca contra o então candidato a presidente Jair Bolsonaro, em 2018.
“Em depoimento à PF, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que Sérgio Moro não demonstrava empenho na investigação do caso Adélio. O presidente disse que não observou nenhum empenho do ex-ministro visando solucionar rapidamente sua tentativa de assassinato”, escreveu Eduardo.
“Qual o motivo disso?”, indagou.
Ataques a Deltan
Nas últimas semanas, Bolsonaro abriu fogo contra o ex-procurador da Operação Lava Jato Deltan Dallagnol. Pelas redes sociais, Bolsonaro relatou que, em 2019, recusou-se a receber Deltan para uma audiência. E que este teria supostamente tentado fazer uma espécie de lobby para que fosse o escolhido para comandar a PGR (Procuradoria-Geral da República), hoje com Augusto Aras à frente.
As alegações de Bolsonaro são contestadas publicamente por Deltan, que afirma nunca ter procurado o presidente com tal finalidade.
“Naquela operação da Vaza Jato, a troca de mensagens lá, tem uma onde o Vladimir Aras, primo do Aras, não tem nada a ver um com o outro, pergunta ao Dallagnol… ‘Você conhece o pastor da primeira-dama?’. ‘Conheço’. Perguntaram à frente né… ‘Dá para marcar uma audiência com ele?’. ‘Dá’. Já telefonei, pode ligar para ele”, declarou Bolsonaro a apoiadores em conversa informal na saída do Palácio da Alvorada, em 15 de dezembro.
“Sabe o que o Vladimir Aras e o Dallagnol queriam, via minha esposa? Colocar um nome na PGR (…) [de interesse da Lava Jato]. Aí ele diz que nunca me procurou. Então estou demonstrando hoje… Vaza Jato aí, entre outras coisas”, completou.
Os ataques a Deltan são uma tática na tentativa de minar o crescimento de Moro. O governante também afirmou que, na visão dele, “a maioria do pessoal da Lava Jato votou no Haddad”. E acusou os membros da força-tarefa de “hipocrisia” e “falta de caráter”.
“Você sabia que no segundo turno a maioria do pessoal da Lava Jato votou no Haddad? Não era o pessoal que estava combatendo a corrupção, o PT? E está lá na troca de mensagens entre eles também.”
“Hipocrisia não. Isso é falta de caráter. Desculpa aqui, hipocrisia serve também.”
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