A personalidade introvertida quase não deixa a voz sair, mas as cicatrizes pelo corpo dizem muito sobre o histórico de violação de direitos vividos por G., de 14 anos. Ao buscar orientação médica para lidar com sua disforia de gênero, em 2016, os profissionais do Adolescentro, na 605 Sul, não tiveram dúvida de que o caso merecia atenção especial. Ainda que, na época, tivesse apenas 10 anos – dois a menos do que o público-alvo do local, considerado referência em Brasília no acolhimento a pessoas trans com idades entre 12 e 18 anos –, a garota não encontrou dificuldades para ser atendida.
A infância marcada por episódios de violência, transfobia e automutilação, por causa do desconforto acentuado com o corpo masculino, sensibilizou os médicos. Após consultas, exames e muita conversa, a equipe decidiu, por unanimidade, iniciar seu tratamento com bloqueadores de puberdade.
Em casos como o de G., essa classe de remédios serve para frear o desenvolvimento de características do sexo masculino, pausando a tortura que a avalanche de mudanças físicas e biológicas pode se tornar para uma criança, presa em um corpo oposto à sua identidade de gênero.
Se por um lado a admissão no Adolescentro trouxe alívio, por outro, a ausência de protocolos para oferta do bloqueador na rede pública de saúde colocou a adolescente e a mãe diante de um novo — e grande — desafio, até mesmo para o Poder Judiciário. Hoje, a menina de 14 anos trava uma batalha no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) para que a Secretária de Saúde do Distrito Federal forneça o medicamento gratuitamente.
O processo, que corre em segredo de justiça, já teve duas sentenças desfavoráveis. Se o entendimento dos magistrados que analisam recurso impetrado pela Defensoria Pública do DF mudar, o caso pode abrir precedente para outras pessoas na mesma situação.
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