A saída do pastor presbiteriano Milton Ribeiro da chefia do MEC (Ministério da Educação) na última segunda-feira (28) não alterou a forte presença de representantes do chamado protestantismo histórico em diferentes áreas do governo de Jair Bolsonaro (PL). Mesmo sem experiência prévia, eles ocupam cargos estratégicos nos três Poderes.
Os evangélicos históricos ou tradicionais são presbiterianos, batistas, metodistas e anglicanas. Eles são descritos como pessoas com perfis mais técnicos, discretos e sem o apelo midiático de igrejas do protestantismo pentecostal e neopentecostal — ligados à Assembleia de Deus, por exemplo.
Focado na defesa das pautas de costumes, o grupo de evangélicos tradicionais construiu uma teia de indicações que acabam auxiliando no aparelhamento ideológico no governo. Ribeiro, por exemplo, manifestou interesse de ter acesso ao Enem para evitar aquilo que chamou de “questões de cunho ideológico”.
Fábio Py, doutor em teologia pela PUC-Rio, descreve o grupo como os “mais intelectualizados”. “Os protestantes tradicionais estão assumindo as áreas mais técnicas porque, entre os evangélicos, são os que têm um largo histórico de formação educacional”, afirmou em artigo publicado no site do IHU (Instituto Humanitas Unisinos).
Para o cientista político Marco Antonio Carvalho Teixeira, professor de administração pública da FGV (Fundação Getulio Vargas), é importante destaca que os evangélicos são heterogêneos dentro de seus grupos.
“O risco [de ter evangélicos no governo] existe quando as pessoas perdem a dimensão que a religião é do campo da intimidade e privacidade e a atuação no governo é do campo do interesse público”, diz Teixeira.
O risco está posto, sobretudo quando a gente vê uma disputa como aconteceu no Inep, com as questões do Enem no ano passado”Marco Antonio Carvalho Teixeira, cientista político
Evangélicos no MEC
Na pasta da Educação, Ribeiro foi o segundo nome ligado à Universidade Presbiteriana Mackenzie a ser nomeado para um cargo de destaque.
Aguiar Neto ocupou o lugar de Anderson Ribeiro Correia, ligado à Igreja Batista e que foi indicado por evangélicos próximos de Bolsonaro.
“Grande parte dos ativistas neoconservadores religiosos, em especial evangélicos, tiveram formação ou são docentes e pesquisadores no Mackenzie, que inclusive, tem fornecido quadros técnicos e ideológicos ao governo federal”, diz João Luiz Moura, mestre em ciências da religião e pesquisador do Iser (Instituto de Estudos da Religião).
Segundo Moura, existe uma teia de indicações que atua no nível ideológico e introduz, em escolas e universidades, temas de interesse do conservadorismo religioso.
“Por isso, para a manutenção deste funcionamento orgânico com impactos nas dinâmicas institucionais, a necessidade de atuar diretamente na Educação, na formação ideológica de novos ativistas”, diz o pesquisador.
A gestão de Ribeiro no MEC levou outros nomes para pasta ligados ao protestantismo histórico. Danilo Dupas, presidente do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), ganhou cargo de destaque na gestão de Ribeiro. Mesmo durante a pior crise do órgão, nas vésperas do Enem 2021, o então ministro manteve Dupas no comando do Inep.
Segundo apuração do UOL, foram os laços criados no Mackenzie entre Dupas e Ribeiro que não levaram à exoneração do presidente do Inep.
Também fez parte da teia de indicações: Carlos Decotelli, mais um ligado à Igreja Presbiteriana e que passou apenas uma semana no MEC, antes de pedir demissão quando vieram à tona denúncias de irregularidades em seu currículo lattes.
Alguns nomes de evangélicos tradicionais que passaram ou estão no governo
- André Mendonça, atual ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), ex-advogado-geral da União e presbiteriano;
- Benedito Guimarães Aguiar Neto, ex-presidente da Capes e presbiteriano;
- Carlos Decotelli, ex-ministro Educação e presbiteriano;
- Damares Alves, ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos e batista;
- Danilo Dupas, presidente do Inep e presbiteriano;
- Fábio Faria, ministro das Comunicações e batista;
- Milton Ribeiro, ex-ministro da Educação e presbiteriano;
- Sandra Lima de Vasconcelos Ramos, coordenadora de materiais didáticos do MEC e batista;
- Onyx Lorenzoni, ministro da Casa Civil e batista.
Nos Três Poderes
Além do MEC, há outros presbiterianos e batistas que ocuparam cargos estratégicos no governo Bolsonaro. Damares Alves, ex-ministra da Mulher, Família e dos Direitos Humanos, é pastora da Igreja Batista da Lagoinha.
No dia em que oficializou a saída do ministério, Damares fez declarações ligadas à pauta do conservadorismo. “Como ministra polêmica, eu não poderia deixar de dizer: os filhos pertencem às famílias, menino veste azul e menina veste rosa. Quem manda nos filhos é a família”, afirmou a então ministra.
O ministro do STF André Mendonça, ligado a igreja Presbiteriana, também é um dos grandes nomes evangélicos a ter passado pelo governo como advogado-geral da União e ministro da Justiça. Ele foi chamado por Bolsonaro de um nome “terrivelmente evangélico” destinado ao Supremo.
No dia de aprovação de Mendonça ao tribunal, a primeira-dama Michelle Bolsonaro comemorou bastante emocionada. Em vídeo publicado nas redes sociais, eles pulam e oram juntos.
Sobre a cadeira de Mendonça no STF, o professor da FGV afirma não ter “ainda não havido nenhuma grande polêmica” envolvendo pautas conservadora caras ao bolsonarismo.
No Congresso, existe a bancada evangélica — e o grupo, assim como nos demais espaços do governo, não é homogêneo e tem disputas internas.
A Frente Parlamentar Evangélica hoje conta com 184 membros, sendo 178 deputados e 6 senadores. Apesar do nome, nem todos são evangélicos: há 78 católicos, 3 espíritas, 1 sem religião e outros 11 que não especificaram suas doutrinas. Os dados foram compilados pelo Iser por meio de levantamentos públicos na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.
A reportagem procurou o MEC e a Secom (Secretaria de Comunicação do Governo Federal) para comentar a presença de protestantes na gestão Bolsonaro, mas não houve a manifestação. O espaço fica aberto para atualizações.
Eleições 2022
Para se tentar se reeleger como presidente, Bolsonaro busca do máximo de correntes e igrejas possíveis — incluindo os evangélicos pentecostais. “Não por acaso, ele mudou o discurso nos últimos dias para garantir o apoio dos grupos mais ideológicos, que inclui os evangélicos”, disse Teixeira.
No início do mês passado, o chefe do Executivo chegou a dizer, durante ato montado por lideranças evangélicas, que dirige o Brasil para onde os pastores quiserem.
“Seria muito fácil estar do outro lado. Mas, como eu acredito em Deus, se fosse para estar do outro lado, nós não seríamos escolhidos. Eu falo ‘nós’ porque a responsabilidade é de todos nós. Eu dirijo a nação para o lado que os senhores assim o desejarem”, afirmou Bolsonaro.
De acordo com o cientista político, o apoio desses grupos não é importante só para Bolsonaro mas também para outros candidatos. “Não por acaso o PT criou seu núcleo de evangélico, há pastores lá na ponta tentando trabalhar e diminuir o peso que o Bolsonaro tem junto a esse eleitorado.”
Envolvimento de pastores no MEC é investigado
No dia 25 de abril, a Polícia Federal abriu dois inquéritos para investigar a atuação de dois pastores, sem cargo público, na liberação de verbas do MEC — revelada pelo jornal O Estado de S. Paulo — e também a do então ministro Milton Ribeiro — flagrado em áudio divulgado pela Folha de S.Paulo no qual afirma que o governo Bolsonaro prioriza prefeituras cujos pedidos de recurso foram negociados pelos líderes religiosos.
Na última quinta-feira (31), em depoimento à Polícia Federal, o ex-ministro afirmou que recebeu os pastores a pedido de Bolsonaro, mas negou “tratamento privilegiado”.
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