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Vítima de ‘sequestro do Pix’ relata cárcere de 8h na mata: ‘R$ 160 mil em saques e empréstimos’

Os assaltantes movimentaram durante o sequestro ao menos R$ 160 mil entre saques, empréstimos e compras.
Imagem: Arquivo pessoal/BBC

Na mira de um revólver, sentadas em uma mata, sem comer ou ir ao banheiro por oito horas. Há um mês, duas arquitetas foram vítimas de uma emboscada e ficaram reféns de uma “quadrilha do Pix” em São Paulo.

Os assaltantes movimentaram durante o sequestro ao menos R$ 160 mil entre saques, empréstimos e compras. A quantia foi, posteriormente, devolvida pelos bancos.

O crime começou quando dois homens fingiram ser clientes e marcaram uma reunião com as arquitetas no Jaraguá, na Zona Norte da capital paulista.

No local, os bandidos armados renderam Anna Novaes, 52, e uma amiga que trabalha com ela.

“Nos jogaram para o banco de trás do meu carro e nos levaram para uma reserva. Um dos criminosos acompanhou a gente até dentro da mata. Nos ameaçavam o tempo todo”, conta Anna em entrevista à BBC News Brasil.

Procurada, a Secretaria da Segurança Pública informou que o caso é investigado pelo 46º Distrito Policial de Perus. A pasta não informou se algum suspeito foi preso.

O caso ganhou repercussão após a arquiteta fazer um relato no Twitter, que teve mais de 2 milhões de visualizações e mais de 50 mil curtidas.

Anna afirmou que os criminosos marcaram um encontro para falar sobre um suposto projeto. Antes de se encontrarem pessoalmente, conversaram por telefone e pelo aplicativo de mensagens WhatsApp.

Desde o momento em que foram abordadas, por volta das 10h de 7 de junho, as duas tiveram os aplicativos e informações pessoais investigados minuciosamente pelos bandidos.

“Eles pediram todas as senhas. Eram muito hábeis com os celulares. Eu tinha um iPhone e minha amiga, um Android, e eles sabiam mexer em tudo”, conta a arquiteta.

“A primeira coisa que fizeram foi desligar a localização e rotear os telefones na internet de outro aparelho para que ele não fosse encontrado. Acessaram os aplicativos dos bancos e retiraram todo o dinheiro que conseguiram por transferências via Pix.”

No início, os criminosos usavam máscaras cirúrgicas comuns, contou a vítima. Mas, depois, ficaram de “cara limpa”.

Anna estima que ao menos quatro pessoas faziam parte da quadrilha. Os dois primeiros que a abordaram, um terceiro com quem conversavam frequentemente e um último, que chegou no final e era chamado de “menor” pelos criminosos.

Segundo Anna, enquanto ela e a amiga estavam sequestradas, os bandidos gastaram R$ 15 mil em compras nos cartões de crédito dela. Também sacaram R$ 10 mil de sua conta no banco Santander e fizeram um empréstimo de R$ 5 mil – esse dinheiro foi transferido para outras contas por Pix.

Procurado pela BBC News Brasil, o Santander disse que “resolveu o caso junto à cliente”. Anna afirma que o banco devolveu todo o valor roubado.

No Itaú, os bandidos fizeram um empréstimo de R$ 130 mil em nome de Anna, mas só conseguiram sacar R$ 20 mil porque o próprio banco fez um bloqueio automático.

Anna disse que o banco já havia devolvido R$ 14 mil e estornou os R$ 6 mil que restavam após ser procurado pela BBC News Brasil. Antes disso, segundo ela, o Itaú alegava que ela não tinha feito um seguro para transações com Pix.

O Itaú confirmou ter devolvido o dinheiro e, em nota, “reforça que, ao ser vítima de qualquer sinistro, o cliente, assim que possível, deve contatar o banco para bloqueio temporário de senhas, produtos ou serviços e registrar boletim de ocorrência, de modo que as autoridades competentes possam tomar as medidas necessárias”.

A amiga de Anna também teve suas contas invadidas, mas os valores roubados não foram informados à reportagem.

Durante o tempo em que ficaram sob a mira de um revólver dos criminosos, conta a arquiteta, elas deixaram de participar de diversas reuniões. Mas ninguém conseguia ligar para elas, porque os telefones estavam em modo avião.

Anna diz que os sequestradores faziam questão de mostrar que estavam armados.

“Se eles me perguntassem uma senha e eu falasse que não me lembrava, eles davam uma coronhada na minha cabeça, não para machucar, mas intimidar”, contou Anna. “No meio da tarde, eles apareceram com uma sacola de padaria com refrigerante e pães. Nos ofereceram, mas a gente negou.”

Onda de crimes

Anna contou que a polícia identificou que os assaltantes fizeram três compras na Brasilândia, bairro também na Zona Norte de São Paulo. O delegado, segundo ela, desconfia que a quadrilha que cometeu o sequestro era especializada em roubos de carro e, agora, migrou para esse tipo de crime, que está se tornando cada vez mais frequente.

O delegado titular da 3ª Delegacia Antissequestro, da Polícia Civil, Tarcio Severo, disse à BBC News Brasil, em 2021, que o número de sequestros-relâmpago, crime considerado adormecido, disparou após a implantação do Pix no Brasil.

Segundo ele, há inclusive quadrilhas especializadas em outros crimes que estão “migrando” para roubos envolvendo esse tipo de transação.

Sob o poder dos sequestradores, Anna diz ter mantido a calma. Segundo ela, os criminosos diziam durante todo o tempo que, se elas permanecessem calmas e colaborassem com as informações necessárias, elas seriam soltas sem nenhum dano.

“A gente não chorou nem ficou descompensada. Se a gente tivesse chorando, seria pior. Ficamos tensas, sem escândalo. Eles diziam que não queriam nos machucar. Só queriam o dinheiro. Mas como foi demorando, não tínhamos como acreditar que tudo terminaria bem, pois eles estavam muito drogados,. Estar na mira de alguém alterado nos deixou tensas”, conta.

Ela diz que os assaltantes falavam falavam que as levariam de volta para o carro e as deixaria numa “quebrada”. E depois elas poderiam ir embora.

“Eu nem sabia mais o que sentia. Se ouvir aquilo era bom ou ruim”, diz Anna.

Cardápio de golpes

Pouco antes de serem libertadas, as duas amigas foram vigiadas apenas pelo assaltante chamado de “menor”. Anna diz que ele perguntou como elas foram sequestradas, porque eles têm “um cardápio de golpes”.

A conversa entre as vítimas e o criminoso teria inclusive alongado, entre risadas, segundo Anna. Mas ela conta que, em certo momento, o celular dele tocou, e ele ficou nervoso e começou a tremer.

“Ele disse para a gente ficar quieta, senão a gente morreria, e desapareceu. Depois de 15 minutos, a gente se deu conta que ele tinha nos abandonado, sentadas na raiz de uma árvore enorme. A gente então caminhou um pouco para o lugar por onde achávamos que tínhamos vindo. Mas vimos uma estrada e um carro preto parando, então, falei para voltar e sentar para não dar confusão”, conta Anna.

Mas as amigas acabaram se perdendo. Após andar para outro sentido, encontraram três homens parados, olhando na direção delas.

“Um senhor disse: ‘Pode sair’. Eu olhei para o lado, e tinha uma viatura da polícia. O senhor mora na região, viu os criminosos, desconfiou da movimentação e chamou a polícia. Como eles tinham olheiros, o menino que estava com a gente foi avisado, e ninguém foi preso”, diz Anna.

Os criminosos levaram os celulares das vítimas e dois pares de brincos de ouro. Eles devolveram as bolsas com tudo o que havia dentro, incluindo os documentos. Anna tem um seguro que cobre tudo o que havia na bolsa e recebeu de volta o valor do celular. O carro dela foi encontrado dois dias depois, sem nenhuma avaria.

Após o crime, Anna relata ter tido dificuldades para dormir e que inclusive teve pesadelos.

“Na primeira noite, eu não dormi. Cheguei em casa 22h bem cansada, mas quando deitei, à 1h, acordei achando que o ladrão estava no meu quarto apontando arma contra mim e não consegui dormir. Eu não tive crise de pânico, mas estou sobrevivendo”, conta.

Anna diz que gostaria que a história dela servisse de exemplo para outras pessoas. “A gente precisa ficar mais atento e desconfiar mais das pessoas.”

 

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