A onda de refugiados provocada pela invasão russa na Ucrânia não é ainda, a maior da História recente, mas é a mais rápida. Só no primeiro mês de guerra, as 3,7 milhões de pessoas que já deixaram o país superam a taxa anual de evasão de todas as crises humanitárias dos últimos 50 anos.
Segundo cálculos do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), o maior fluxo anual de refugiados visto em décadas recentes foi em 2018 na Venezuela, quando 2,8 milhões fugiram. A invasão soviética no Afeganistão provocou a saída de 2,1 milhões de refugiados em 1980, e o genocídio de Ruanda fez 1,8 milhão saírem do país em 1994.
A Polônia absorveu cerca de dois terços dos refugiados ucranianos até agora, segundo o Acnur. O número é mais que o dobro daquilo que o país acolheu de imigrantes, incluindo os não asilados, no auge da crise migratória global na última década.
Saldo migratório
Os dados mais recentes de população migrante global, compilados pelo Departamento das Nações Unidas para Assuntos Econômicos e Sociais (Desa) são de 2020, mas esta década começou com transformações profundas. O hiato no fluxo migratório global provocado pelos fechamentos de fronteira pela Covid-19, somado agora a uma guerra dentro da Europa, provoca uma alteração significativa no cenário global de migração, que ainda vinha sendo muito influenciado pela guerra ao terror e pela Primavera Árabe.
Fluxo de mão dupla
No Leste Europeu em si, a guerra que completa um mês agora deve alimentar um fluxo migratório que já era um dos maiores do mundo, segundo especialistas. Segundo dados do Desa, os 3,33 milhões de ucranianos vivendo na Rússia e os 3,27 milhões de russos vivendo na Ucrânia já eram em 2020 a 4ª e a 5ª maiores comunidades de imigrantes do mundo. Perdem apenas para os mexicanos e indianos vivendo nos EUA e para os sírios vivendo na Turquia. Durante os 11 anos de guerra civil na Síria, 6,8 milhões de refugiados deixaram o país, o maior contingente internacional de refugiados hoje, boa parte em território turco.
Como Rússia e Ucrânia são a dupla de países com maior fluxo migratório de mão dupla no mundo, não é à toa que o conflito atual é considerado uma guerra fratricida. Mesmo com a Rússia sendo considerada o país agressor, mais de 130 mil ucranianos fugiram para o território russo no primeiro mês de guerra, segundo o Acnur.
É comum que o maior fluxo de refugiados se concentre no início dos conflitos, sobretudo o de mulheres e crianças, que são agora cerca de 90% daqueles cruzando as fronteiras, nas contas do Acnur. Mas não está claro que a saída de ucranianos esteja perto de acabar.
“Não dá para superestimar a gravidade da situação”, afirmou em comunicado ontem Karolina Billing, representante do Acnur na Ucrânia. “Em um mês, mais de dez milhões pessoas foram forçadas a correr para sobreviver. Cerca de 6,5 milhões se deslocaram dentro da Ucrânia, além dos 3,7 milhões que deixaram o país. Cerca de 13 milhões estão presos dentro de áreas afetadas ou são incapazes de fugir em razão de alto risco para a segurança, destruição de pontes, estradas e outros motivos.”
Migrantes vivos em 2020
O comissariado está tentando dar suporte aos ucranianos desabrigados que não conseguem cruzar a fronteira, mas deve auxiliar apenas uma fração pequena da população afetada. A agência já tem recurso para abrigar 85 mil pessoas em instalações de emergência, e espera atender 360 mil ao longo das próximas semanas.
Existe mais de um fator como explicação da velocidade com que ucranianos estão deixando o país, explica a cientista política Camila Asano, coordenadora de programas no Brasil para a Conectas, ONG da área de direitos humanos.
“A gente está vendo cenas muito violentas da invasão russa, muitas delas com os bombardeios”, diz Asano.
Fuga em massa
O fato de o conflito ocorrer em um país mais bem estruturado que o Afeganistão e a Venezuela, afirma, também influencia.
“Pessoas com mais renda e mais condições conseguem fazer uma saída mais rápida, sobretudo em locais onde as estradas não são precárias e onde há rede ferroviária e estrutura de transporte mais bem estabelecida”, afirma.
A Conectas, que defendeu a entrada de venezuelanos no Brasil durante a pandemia, afirma que uma maior aceitação dos ucranianos na Europa por seu perfil socio-econômico, racial e religioso tem influência no processo. A Covid-19, diz a entidade, deu impulso a políticas discriminatórias de migração.
“A pandemia criou uma suposta desculpa que os governos estão usando para procurar escolher quem entra e quem não entra, sem critérios sanitários que façam sentido”, diz a especialista. “A Ucrânia é um país majoritariamente branco. Não existe na realidade uma rejeição ao fluxo migratório em si. Existe rejeição a partir do perfil racial, do perfil religioso daquele fluxo. A desigualdade é perversa em todos os momentos da vida, até em momentos de refúgio.”
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