Na última semana de julho, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) liberou o DivulgaCand, sistema que torna públicas as informações sobre as candidaturas às eleições deste ano. Os cidadãos têm acesso a dados relacionados a rendimento e bens, mas faltam detalhes.
Por exemplo: o candidato pode afirmar que é presidente de uma empresa, mas não precisa especificar qual é; ou o carro do postulante custa R$ 100 mil, mas não se sabe se é um Fusca ou uma Ferrari. Dessa forma, embora os dados dos concorrentes à Presidência já tenham sido publicados, as informações não são precisas. Antes, tais conteúdos constavam na prestação de contas.
A supressão do campo que detalha os bens de candidatos despertou a indignação de setores da sociedade civil que utilizam a ferramenta para monitorar o processo democrático. O receio é que essa falta de detalhamento abra margem para ocultação de bens, por exemplo.
O Metrópoles teve acesso, com exclusividade, ao relatório em que constam as contribuições apresentadas pela Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa e pelo InternetLab ao TSE.
“As organizações da sociedade civil [que participaram da audiência pública] garantiram medidas concretas e viáveis. Essa ocultação [dos bens dos candidatos no DivulgaCand] pegou a gente de surpresa, porque parecia haver um diálogo prévio”, explica Pedro Saliba, pesquisador da Data Privacy.
Sem ferir a LGPD
A pesquisa feita pelas organizações responde aos questionamentos do tribunal sobre possíveis necessidades de ajuste aos dados publicados na plataforma. Na ocasião, destaca-se que a divulgação dos bens dos candidatos não fere a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).
“Ainda, a LGPD expressamente autoriza o tratamento de dados com base não apenas no consentimento do titular, mas, também, a partir de outras bases legais”, inicia o documento.
“Para a consulta em questão, vale destacar a base legal referente ao cumprimento de obrigação legal-regulatória (art. 7º, inciso II, e art. 11, inciso II, alínea “a”), que abarca justamente o caso de o TSE tornar público os dados pessoais de candidatos, doadores e outros atores relevantes no pleito eleitoral”, continua o texto.
Os pesquisadores ainda afirmam que, da forma como é feito atualmente, o tratamento de dados “está devidamente amparado por uma base legal válida e o seu acesso público está justificado por uma finalidade legítima e de interesse público”.
“[Restringir a declaração de bens] é uma interpretação equivocada da LGPD, por observar simplesmente um viés da privacidade. Não podemos simplesmente achar que fazer adequação é restringir o acesso. Quando falamos em uma candidatura para cargos representativos, é algo que já exige uma certa exposição de dados”, ressalta Pedro.
A coordenadora de pesquisa na área de Desigualdades e Identidades do InternetLab, Clarice Tavares, assinala que há uma falsa contradição posta entre a proteção de dados e a transparência.
“Não existe essa contradição. Isso é uma salvaguarda do estado democrático de direito. Precisamos pensar caminhos para não afastar a privacidade e proteção de dados”, garante.
TSE já protege privacidade dos candidatos
Especialistas consideram que a ocultação de detalhes sobre patrimônios constitui um retrocesso, uma vez que a Resolução nº 23.609 do TSE já pede que o preenchimento seja simplificado. Ou seja, não é necessário inserir informações que comprometem a privacidade das pessoas, como placas de carro ou endereços de imóveis.
Na audiência pública, então, os participantes não identificaram riscos que justificassem a ocultação. “O candidato ou a candidata é titular de seus dados, e pode ajuizar ação, caso seja necessário em situações individuais, em que houve exposição demasiada, como qualquer pessoa pode fazer”, tranquiliza Clarice.
“Recomenda-se que a eliminação somente ocorra a partir de casos concretos em que haja risco real, em vez de um risco abstrato, em que o candidato exerça seu direito de titular, a partir das demandas específicas para a sua segurança”, indica o relatório.
Em uma tentativa de reverter o entendimento da Corte, uma carta aberta foi enviada pelas instituições para representantes do TSE – como os ministros Edson Fachin e Alexandre de Moraes, presidente e vice, e a juíza Larissa Almeida Nascimento, ouvidora.
“Já existe uma limitação a priori à disponibilização de dados relativos à vida privada no campo cujo conteúdo está suprimido. Diante do exposto, solicitamos a vossas excelências a retomada imediata da divulgação completa das informações de declaração de bens dos(as) candidatos(as), em consonância com o direito constitucional de acesso a informações públicas e com a tradição do Tribunal Superior Eleitoral enquanto órgão aberto e transparente”, pleiteia a carta.
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