O spray nasal israelense Taffix, que teve a notificação cancelada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), é negociado no Brasil pela Belcher Farmacêutica, empresa que entrou na mira da CPI da Covid, no Senado, no ano passado.
A Belcher surgiu durante a apuração da Comissão Parlamentar de Inquérito por ter sido intermediária das conversas entre o laboratório chinês CanSino e o Ministério da Saúde para a aquisição de 60 milhões de doses da vacina contra a covid-19 Convidecia.
O contrato custaria aproximadamente R$ 5 bilhões, e cada dose sairia a US$ 17, um dos preços mais altos oferecidos ao governo federal. O acordo acabou não sendo fechado.
Senadores oposicionistas e independentes também queriam saber se o líder do governo na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros (PP-PR), teve algum envolvimento irregular com o caso devido à sua proximidade com parentes de integrantes da Belcher. A farmacêutica tem sede em Maringá, no Paraná, base eleitoral de Barros.
Em entrevista ao UOL, em agosto, Barros negou ter agido na pandemia com interesses próprios. “Fiz tudo que eu tinha para fazer para ajudar o Brasil a enfrentar melhor essa pandemia da covid. Sem nenhum interesse pessoal, sem nenhuma questão que não seja republicana. É isso que eles vão chegar a conclusão posteriormente”, disse.
Testes rápidos no DF
A Belcher ainda entrou na mira da CPI sob a suspeita de estar envolvida em um esquema de superfaturamento na venda de testes rápidos de detecção de coronavírus para o governo do Distrito Federal. O Ministério Público do DF diz haver evidências de que os testes eram imprestáveis ou de baixa qualidade.
Um dos sócios da Belcher, Emanuel Catori, prestou depoimento à CPI da Covid, no final de agosto. Na época, o executivo negou quaisquer irregularidades.
Ao longo da CPI, diante de novas suspeitas envolvendo outras pessoas e empresas, os senadores acabaram deixando o caso da vacina Convidecia em segundo plano.
Falta de estudos
O spray nasal Taffix teve o aval cancelado porque, segundo a Anvisa, “não foram apresentados estudos clínicos que comprovem eficácia para esse fim (bloquear vírus respiratórios)”.
O Taffix é fabricado pela empresa israelense Nasus Pharma, mas a importação e a distribuição do produto no Brasil seriam feitas pela Belcher.
Em nota emitida na última segunda-feira (17), a Belcher afirmou que estava trabalhando com a previsão de que o Taffix estivesse disponível “nas farmácias de todo o país” a partir da última semana de fevereiro.
Procurada pelo UOL, ontem (19), a Belcher informou ter recebido o cancelamento do aval com “surpresa”, “já que a medida adotada pela Anvisa sequer foi precedida de diligência para prestação de esclarecimentos, retirada de eventuais dúvidas técnicas ou mesmo complementação documental”.
A farmacêutica disse que vai recorrer da decisão da Anvisa e avalia apresentar novo pedido de autorização.
“Assim sendo, a Belcher espera que a Anvisa analise em caráter de urgência o recurso e o potencial novo pedido a serem protocolados, na expectativa de que a curto prazo o cancelamento seja revisto e o produto possa, então, após nova autorização, ser regularmente importado ao Brasil e disponibilizado aos brasileiros.”
Spray não é o mesmo sondado por comitiva
O spray nasal Taffix não é o mesmo produto israelense que foi sondado pelo então ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e comitiva em Israel em março do ano passado. O outro spray chama-se EXO-CD24, da empresa OBCTCD24.
A comitiva que viajou ao país para, entre outros assuntos, conhecer o produto, que ainda estava em fase experimental, contou com a participação de três diplomatas, um assessor internacional, dois deputados — Eduardo Bolsonaro e Hélio Lopes, filho e amigo do presidente Jair Bolsonaro, respectivamente —, dois técnicos em saúde, um segurança e um secretário de Comunicação.
Como o UOL revelou, a viagem custou ao menos R$ 400 mil aos cofres públicos. Na época, foi assinada somente uma carta de intenções, sem compromisso de compra.
Após conversa com o então primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, o presidente Jair Bolsonaro (PL) passou a ver o spray como uma esperança contra a covid-19, apesar da falta de dados científicos mais sólidos.
O primeiro estudo relatado sobre o EXO-CD24 era voltado a pacientes com casos graves da infecção. Já o Taffix serviria como um paliativo para barrar a entrada em abundância de partículas microscópicas nocivas no sistema respiratório das pessoas, incluindo, em tese, o coronavírus.
Reportagem do jornal The Jerusalem Post de 5 de agosto de 2021 afirmou que o estudo de fase II do EXO-CD24, na Grécia, apontou resultados positivos, mas mais análises e pesquisas são necessárias.
Não se sabe ainda se o spray reunirá todas as provas de efetividade exigidas para ser aprovado para uso no Brasil. Mesmo assim, as negociações do governo federal para a aquisição do EXO-CD24 não foram para frente.
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