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Queimadas na Amazônia e os desafios climáticos do Brasil às vésperas da COP-30

A conferência do clima chega num momento em que queimadas e mudanças climáticas se entrelaçam numa espiral perigosa, ameaçando tanto a floresta quanto as comunidades que dela dependem.
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Raimundo Fabrício Paixão Albuquerque

Por Raimundo Fabrício Paixão Albuquerque

A fumaça que encobre a Amazônia não é mais apenas problema local, é sintoma de uma crise que o Brasil terá de encarar de frente quando sediar, em novembro de 2025, a COP-30 em Belém do Pará. A conferência do clima chega num momento em que queimadas e mudanças climáticas se entrelaçam numa espiral perigosa, ameaçando tanto a floresta quanto as comunidades que dela dependem.

Os números são alarmantes. Entre 2009 e 2019, o sul do Amazonas registrou mais de 95 mil focos de calor, com média de 8.700 por ano, e os últimos anos bateram todos os recordes, ultrapassando 10 mil focos anuais. Pesquisadores da UFAM têm documentado como o fogo segue o rastro da ocupação humana, concentrando-se especialmente ao longo das estradas que rasgam a floresta em padrão de “espinha de peixe”. A ligação entre desmatamento, abertura de rodovias e focos de incêndio não deixa margem para dúvidas: onde avança a fronteira agrícola, o fogo acompanha.

Talvez Ailton Krenak tenha razão quando nos provoca a pensar sobre nossa relação predatória com a Terra. Sua crítica à ideia de que a natureza é recurso inesgotável à disposição da humanidade ganha concretude dramática quando observamos a Amazônia queimando. A floresta não é apenas “pulmão do mundo”, ela é lar, farmácia, mercado e templo para milhões de pessoas que têm sua existência entrelaçada com os ciclos naturais.

E esses ciclos estão mudando. Pesquisas recentes sobre o Rio Negro mostram que as alterações climáticas já deixaram de ser previsão futura para se tornarem cotidiano das populações amazônicas. Cheias e secas extremas, que antes eram eventos raros, tornaram-se frequentes: metade dos dez maiores eventos desse tipo nos últimos cinquenta anos aconteceu após o ano 2000. O regime de chuvas mudou, as temperaturas subiram, e os rios não obedecem mais aos calendários ancestrais que organizavam a vida ribeirinha.

Quem sente na pele essas transformações são justamente aquelas que menos contribuíram para a crise climática. As comunidades ribeirinhas veem suas roças fracassarem com o calor excessivo, sua pesca minguar com os rios desregulados, seu acesso à água potável comprometer-se nas secas prolongadas. Quando Krenak fala sobre a urgência de adiarmos o fim do mundo, são essas populações que já experimentam, no presente, o que esse “fim” significa: não um apocalipse cinematográfico, mas a erosão gradual das condições que tornam a vida possível e digna.

O círculo vicioso se fecha quando percebemos que praticamente todos os incêndios na Amazônia têm origem humana, frequentemente ligados à técnica do “corte e queima” após desmatamento para atividades agropecuárias. Estudos apontam que as mudanças climáticas, aumento da aridez, temperaturas mais altas, redução das chuvas, podem multiplicar por 28 o risco de novos incêndios. É a tempestade perfeita: as queimadas agravam o clima, que por sua vez aumenta o risco de novos incêndios. A floresta, que evoluiu sem o fogo, perde sua capacidade de se regenerar.

Diante desse cenário, a COP-30 representa oportunidade única, mas também cobrança incômoda. As populações amazônicas já desenvolvem suas estratégias de adaptação, usando conhecimentos tradicionais acumulados ao longo de gerações. Mas seria ingenuidade, ou crueldade, esperar que comunidades vulneráveis resolvam sozinhas uma crise criada por um modelo de desenvolvimento que historicamente as excluiu. Políticas públicas precisam apoiar essas respostas locais, reconhecendo que proteger quem vive na floresta é também proteger a floresta.

Aqui ressoa outra provocação de Krenak: a de que precisamos superar a ideia colonial de que existem “povos atrasados” e “povos avançados”. As comunidades tradicionais da Amazônia, com suas práticas de manejo sustentável e sua compreensão integrada dos ecossistemas, talvez tenham muito a ensinar sobre como habitar o planeta sem esgotá-lo. A COP-30 em Belém poderia ser momento de escutar essas vozes, em vez de apenas falar sobre elas.

O Brasil chega à conferência numa encruzilhada. De um lado, a pressão internacional por compromissos climáticos ambiciosos. De outro, a realidade de comunidades amazônicas já vivendo os efeitos das mudanças climáticas, enquanto queimadas recordes continuam consumindo a floresta. Será que conseguiremos transformar a sede da conferência em ponto de virada, ou será apenas mais uma oportunidade perdida enquanto a Amazônia queima?

Raimundo Fabrício Paixão Albuquerque, professor universitário, advogado ambientalista, psicólogo e filósofo. Mestre em Sociedade e Cultura e doutorando em Ciências Ambientais pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), desenvolve pesquisas interdisciplinares sobre territórios, regularização fundiária, crédito de carbono, ambiente, sociedade e subjetividade na Amazônia.

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