O Congresso está em vias de aprovar o Mover, programa que prevê benefícios fiscais à indústria automobilística desde que a produção ocorra no país e contenha inovação tecnológica. Apesar de ofuscado pela inclusão da “taxa das blusinhas”, trata-se de um programa bilionário: prevê que R$ 19,3 bilhões sejam disponibilizados em incentivos.
O que aconteceu
O Mover (Mobilidade Verde e Inovação) surgiu da união dos interesses do governo federal e das montadoras. O governo Lula (PT) pretende retomar a industrialização do país, e as montadoras veem a necessidade de substituir motores a combustão por 100% elétricos e híbridos.
A convergência de interesses ficou materializada no desfile de Lula e Alckmin em carro aberto na fábrica da Volkswagen. O evento, em fevereiro deste ano, foi o ponto alto do anúncio de R$ 9 bilhões em investimentos da montadora na operação brasileira.
Boa parte dos recursos do Mover será usada para transformar os modelos vendidos no Brasil em híbridos. Serão disponibilizados R$ 19,3 bilhões em incentivos para gastos com pesquisas em novas tecnologias. Com base nas regras do Mover, as montadoras vão investir cerca de R$ 130 bilhões no país até 2030.
O atraso na tramitação preocupou as montadoras, que temiam mudanças no projeto original. O pano de fundo era a disputa nos bastidores entre montadoras tradicionais e as recém-chegadas chinesas. A possibilidade de investimentos serem cancelados ou reduzidos passou a ser usada como argumento para convencer deputados e senadores a não mexerem no projeto.
Executivos de montadoras que conversaram com o UOL se mostraram satisfeitos com os termos do programa. Eles aguardam a última votação ocorrer para se concentrarem na próxima tarefa: a regulamentação da reforma tributária.
Foco na produção nacional
O Mover foi combinado com a volta da cobrança de imposto sobre importação de carros eletrificados. Isentos até ano passado, modelos 100% elétricos e híbridos voltaram a ser taxados em 1º de janeiro. Haverá um crescimento gradual do imposto até chegar a 35% em julho de 2026. O saldo das ações do governo é: incentivo para quem fabricar no Brasil; aumento de imposto para trazer de outro país.
Como consequência, oito montadoras anunciaram reajustes: BMW, Volvo, Honda, Kia, Seres, GWM, Nissan e Audi.
Alckmin, que além de vice é ministro do Desenvolvimento, declarou que o objetivo é incentivar a produção nacional. Foi ele quem conduziu os debates do Mover. O programa foi tratado com as montadores logo na primeira reunião feita depois da posse.
A preferência por produzir no país tem vantagens e desvantagens, afirma Milad Kalume Neto, consultor do setor automotivo. Ao UOL, ele ponderou que a produção local gera empregos, traz tecnologia e pode tornar o Brasil grande exportador. A desvantagem é reduzir a competição e acesso da população a um número maior de modelos.
O especialista ressalta que era previsível o governo atuar para incentivar a fabricação nacional. Ele conta que desde a campanha eleitoral o presidente se encontrava com Márcio de Lima Leite, presidente da Anfavea (Associação que reúne fabricantes tradicionais).
Para mim, era muito claro de que haveria política para priorizar o nacional.Milad Kalume Neto, consultor
Montadoras tradicionais x chinesas
O incentivo para produzir no Brasil e tornar as importações mais caras não pacificou a indústria automotiva. Houve brigas entre montadoras tradicionais, que tem fábricas no Brasil há bastante tempo, e as chinesas, que estão construindo suas plantas.
Os chineses apostam em modelos 100% elétricos. Eles tentaram mudanças no Mover para beneficiar este modelo de propulsão.
As oponentes são as “montadoras tradicionais”. Marcas como GM, Volkswagen, Fiat e Toyota escolheram fazer a transição energética usando carros híbridos – motor a combustão combinado com bateria elétrica. Sua atuação foi para barrar incentivos aos veículos 100% elétricos.
Na disputa, a BYD saiu derrotada. A Câmara dos Deputados rejeitou mudanças que facilitavam a importação de carros 100% elétricos e outra que dava preferência para fábricas do Nordeste receberem incentivos (a montadora chinesa fica na Bahia).
As montadoras tradicionais também venceram no Senado. Os parlamentares retiraram um dispositivo que escalava o Ministério do Desenvolvimento para medir a quantidade de poluentes emitidos pelo motor. A tarefa voltou para o Ibama.
Para executivos das montadoras tradicionais, a alteração fazia parte de uma estratégia de longo prazo da BYD. O ministério não tem expertise na medição e seria mais fácil emplacar uma redução no imposto para carros 100% elétricos.
Trabalho nos bastidores
As movimentações da BYD têm um coordenador, na visão das montadoras tradicionais: Alexandre Baldy. Com longa carreira política, ele foi ministro das Cidades na gestão Michel Temer, secretário de João Doria no governo de São Paulo e deputado federal por Goiás.
Hoje, Baldy é CEO da BYD Brasil. Sem currículo na indústria automotiva, é visto como uma escolha da montadora chinesa pelo trânsito político numa tentativa de aprovar leis que favoreçam os veículos 100% elétricos.
Mas o mercado brasileiro fez a opção por modelos flex híbridos para os próximos anos. É uma mudança menos radical que transformar toda a frota em 100% elétrica e ainda preserva o álcool como opção de combustível, algo caro ao governo brasileiro.
A fabricação de modelos totalmente elétricos ficaria para um futuro mais distante. Além da tecnologia, faltaria infraestrutura como existir rede de recarga em cidades do interior.
O consultor Milad Kalume Neto considera normal as montadoras tradicionais ganharem a queda de braço. Ele afirmou que General Motors, Volkswagen e Stellantis (Grupo que tem marcas como Fiat, Jeep e Peugeot) têm cerca 60% do mercado.
O especialista disse que a indústria nacional está protegida para fazer a transição para o 100% elétrico e híbrido. A situação permite construir bons carros e poder exportar para outros mercados. Os países da América do Sul seriam os destinos preferenciais.
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