Pedido de liminar requer que a empresa e a fundação não condicionem a efetivação de programa assistencial aos indígenas à concordância do povo com a construção do Linhão de Tucuruí.
Da redação
O Ministério Público Federal (MPF) no Amazonas ajuizou ação civil pública, com pedido de liminar, para impedir que a Eletronorte e a Fundação Nacional do Índio (Funai) tomem qualquer medida no sentido de impor ou condicionar a efetivação de programa voltado ao povo Waimiri Atroari à concordância dos indígenas com a construção da linha de transmissão Manaus – Boa Vista, o Linhão de Tucuruí, cujo traçado abrange a terra indígena onde vivem os Kinja, como se autodenominam os waimiri. Para o MPF, a exigência caracteriza prática abusiva de coação.
A ação do MPF pede, em caráter de urgência, que a Justiça suspenda o cronograma previsto pela Eletronorte, em que a empresa condiciona a continuidade do Programa Waimiri Atroari à concordância dos indígenas com a linha de transmissão, e também qualquer outra medida restritiva em relação à continuidade dos repasses de recursos referentes ao programa até o final do processo.
O MPF também requer que a Eletronorte e a Funai sejam proibidas de impor, de forma unilateral, prazos para análise do empreendimento sem a realização de consulta prévia, livre e informada, conforme a Convenção nº 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Nos pedidos finais da ação, o MPF quer a confirmação de todos esses pedidos em caráter definitivo e pede também o pagamento de indenização no valor de R$ 1 milhão por dano moral coletivo e a anulação de cláusula de termo de cooperação, firmado entre a Eletronorte, a Funai e a Associação da Comunidade Indígena Waimiri Atroari, que condiciona a continuidade do programa à aceitação dos indígenas em relação à execução do projeto do Linhão.
A ação tramita na 3ª Vara Federal Cível do Amazonas, sob o número 1003750-98.2018.4.01.3200.
Prática de coação – O Programa Waimiri Atroari (PWA) foi elaborado em 1987, como forma de compensar os impactos socioambientais causados pela construção da Usina Hidrelétrica de Balbina no território do povo indígena. Pelo programa, a Eletronorte seria responsável pela implantação de medidas de assistência em saúde e educação, atividades produtivas e vigilância dos limites da área onde vivem os Kinja.
Em 2013, ano em que o programa foi renovado por mais dez anos por meio de termo de cooperação, a Eletronorte inseriu no documento cláusula estabelecendo que a eficácia e o início de vigência do referido acordo estavam condicionados à assinatura de protocolo de intenções entre a Eletronorte, a Funai e a Associação da Comunidade Indígena Waimiri Atroari, que formalizasse a concordância com o início imediato dos estudos do processo de licenciamento ambiental da linha de transmissão, bem como com o cronograma geral do empreendimento.
Na ação, o MPF ressalta que a Eletronorte inseriu obrigações aos indígenas que estão ligadas a outro empreendimento, no contexto da prorrogação do acordo especificamente voltado ao ressarcimento por danos socioambientais causados pela implantação da Usina Hidrelétrica de Balbina. “Os indígenas entenderam que ali havia uma menção à concordância com a realização de estudos, aos quais nunca se opuseram, e não imaginariam que a alusão a um cronograma geral iria ser utilizada contra eles no futuro”, ressalta trecho do documento.
O MPF narra que, posteriormente, em agosto de 2018, a Eletronorte remeteu documento no qual afirma que tomou decisão unilateral acerca da continuidade de pagamentos ao Programa Waimiri Atroari, condicionando-os ao cumprimento pelo povo indígena de uma série de ações relacionadas ao procedimento de licenciamento ambiental da linha de transmissão Manaus – Boa Vista.
“A empresa adotou uma medida de chantagem ao povo Kinja, exigindo a manifestação positiva ao empreendimento de linha de transmissão, independentemente de adoção do procedimento de consulta prévia, livre e informada”, sustenta o MPF na ação. Para o órgão, a atuação abusiva configura prática de coação, conforme prevê o artigo 151 do Código Civil.
Desrespeito à legislação e a decisões judiciais – A ação civil pública reforça que a atuação da Eletronorte, com a aparente anuência da Funai, desconsidera a existência de decisões judiciais e de todo o debate a respeito da realização da consulta prévia, livre e informada ao povo Waimiri Atroari, prevista na Convenção nº 169, da OIT.
“A obrigação de consultar os povos afetados, em casos de empreendimentos e atividades, se justifica pela necessidade de garantir a integridade das terras indígenas, haja vista que a manutenção do modo tradicional de vida dos povos indígenas depende diretamente de seus territórios e dos recursos naturais neles contidos”, lembra o MPF.
A Justiça Federal já decidiu favoravelmente ao MPF em duas ações civis públicas diferentes quanto à necessidade de consulta aos Waimiri Atroari em relação à linha de transmissão. O empreendimento foi suspenso em sentença proferida em novembro de 2014. Em outra decisão judicial, em 2018, a Justiça reafirmou o caráter vinculante do consentimento dos Waimiri Atroari para qualquer obra de grandes empreendimentos com potenciais impactos sobre as terras indígenas pertencentes ao povo.
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