A análise, que considerou 11 campanhas do Ministério da Saúde no primeiro semestre deste ano, mostrou que os canais religiosos ou que alugam a maior parte da grade para igrejas foram contratados para receber 544 propagandas (20% do total), enquanto a Globo exibiu 80 (3%), e principalmente fora do horário nobre. Ou seja, as TVs de conteúdo religioso receberam, somadas, sete vezes mais anúncios que a Globo.
A Repórter Brasil questionou a Saúde sobre a distribuição de verbas publicitárias em emissoras para a campanha de vacinação, mas não recebeu retorno.
Visibilidade como critério
Especialistas em comunicação de saúde veem falta de critério na distribuição das propagandas e desperdício de recursos públicos, já que a urgência em incentivar a vacinação para o maior número de pessoas deveria ampliar a divulgação no canal de maior audiência. A análise das campanhas indica, entretanto, que as verbas públicas teriam sido usadas para favorecer grupos religiosos e midiáticos próximos ao presidente Jair Bolsonaro (PL).
“Em outros tempos seria colocado mais dinheiro e mais inserções na Globo, porque é o canal com mais visibilidade e maior custo-benefício”, diz a jornalista Nadja Piauitinga, doutora em comunicação e saúde pela Fiocruz e que trabalhou na comunicação do ministério de 2011 a 2016.
“Uma campanha nacional deve ter as emissoras que chegam a todo o território, mas diante da escassez de recursos públicos, precisa privilegiar a que chega ao maior número de pessoas”, afirma a pesquisadora em comunicação Ivonete Lopes, professora da Universidade Federal de Viçosa (MG).
Os dados analisados, obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI), abrangem 2.703 anúncios. No topo do ranking vem o grupo de 18 canais religiosos, todos de menor audiência do que as emissoras comerciais, tais como Rede Gênesis e Rede Família, com 544 inserções somadas. Foram considerados todos os canais com mais de 50% da grade com conteúdo religioso. Na sequência vem TV Brasil, do governo federal, com 510 propagandas, Bandeirantes (340), a emissora regional Amazon Sat (307), SBT (245), Rede TV! (223), Record TV (212), Globo (80) e Record News (58). Outras seis emissoras regionais tiveram 184 inserções.
Os valores pagos a cada emissora não foram revelados pelo Ministério da Saúde.
A pasta foi procurada por três vezes desde 19 de novembro para comentar o assunto, mas não respondeu aos pedidos da reportagem.
O ministério realizou também 422 ações de merchandising (propagandas anunciadas dentro dos programas) com apresentadores de cinco canais: Record TV, SBT, Bandeirantes, Rede TV! e TV A Crítica (AM).
“É muito disparate a Globo ter menos inserções que emissoras regionais sem audiência”, diz Piauitinga, referindo-se à Amazon Sat, que é transmitida em cinco estados (Amapá, Amazonas, Acre, Roraima e Rondônia) e recebeu quase quatro vezes mais inserções que a emissora carioca. Para Lopes, o cenário indica “politização” da campanha publicitária: “Não dá para desprezar a Globo, por mais que haja críticas à sua cobertura”, diz ela, ressaltando que a emissora deu destaque às evidências científicas ao longo da pandemia.

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