Na reta final da campanha eleitoral, evangélicos bolsonaristas têm ressuscitado vídeos antigos com profecias espirituais para defender o voto no presidente Jair Bolsonaro (PL). Pastores com grande engajamento nas redes sociais entre o eleitorado evangélico também repetem o discurso da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, de que o candidato à reeleição “não é perfeito, mas é o escolhido de Deus”.
O movimento acontece em um cenário em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) conseguiu reduzir a distância para Bolsonaro entre o público evangélico, conforme mostrou pesquisa Datafolha divulgada quinta-feira (15). Ela caiu de de 23 para 17 pontos percentuais. Hoje, nesse público, o petista tem 32% das intenções de voto, Bolsonaro aparece com 49%.
Levantamento feito pela Casa Galileia, organização que promove iniciativas democráticas e plurais para públicos católicos e evangélicos, aponta que entre evangélicos bolsonaristas houve grande volume de postagens no Facebook e no YouTube relacionando uma guerra espiritual às eleições.
Ungido. Um cantor evangélico teve mais de 133 mil visualizações em um vídeo no qual reage à gravação de um apóstolo que recebeu uma profecia em 2017 relacionada a Bolsonaro.
Sou um pastor há 25 anos e profeta de Deus. No ano de 2017, tive um sonho que aparecia uma pessoa e eu ungia essa pessoa a presidente do país. Acordei e não vi a fisionomia. Pergunta para o senhor “esse sonho veio de ti?” e Deus falou: “esse sonho veio de mim”
Declaração do apóstolo
No trecho, o líder religioso afirma ainda que continuou a conversa e que Deus pediu para que ele procurasse no Google “pré-candidato a presidente do país”. Ao pesquisar, o apóstolo diz que aparece o nome de Bolsonaro. “Eu nunca tinha visto esse homem na minha vida, muito menos sabia que ele era deputado federal”, garante.
Ao final do vídeo, o cantor afirma que a profecia do apóstolo se cumpriu e pede para que os seus seguidores sigam a vontade de Deus. “Não há uma explicação lógica para como o presidente atual chegou na cadeira, nem como ele vai continuar”, diz o músico.
Corrupção. Ao longo do vídeo, ele também mostra uma profecia feita pela escritora gospel Stacey Campbell, em 2014, sobre uma “onda” de mudanças que se aproximava do Brasil. Ela é uma das referências no mundo evangélico e conta com 18,5 mil seguidores em uma rede social —a primeira-dama é um deles.
Na profecia da escritora, ela fala que uma onda livraria o país de governos corruptos. O cantor —que tem quase 800 mil seguidores em seu canal do YouTube—, então, associa a profecia com a chegada de Bolsonaro ao governo federal.
“A justiça irá entrar em governos corruptos. Prepare-se Brasil”, diz a escritora. O músico fala, então, que os brasileiros têm pouco tempo para barrar a “onda demoníaca”.
O cantor, no entanto, em nenhum momento do vídeo cita os suspeitos esquemas de corrupção que aconteceram ao longo do governo Bolsonaro.
O que são profecias? Vinícius do Vale, doutor em Ciências Políticas pela USP e diretor do OE (Observatório Evangélico), explica que as profecias, para os evangélicos, são frutos de manifestações do Espírito Santo e que são mais comuns no universo das igrejas pentecostais e neopentecostais.
Os cristãos acreditam que elas podem acontecer por sonhos ou por “revelações” de algum líder espiritual como pastores. Segundo o doutor em Ciências Políticas, as profecias atingem o cotidiano dos fiéis prometendo, por exemplo, um emprego à vista ou a cura de parente doente.
“As profecias recentes só mostram o quanto a política entrou nas igrejas e vêm alterando as dinâmicas de culto. Agora, elas aparecem para dizer em quem você deve votar. Nesse sentido, é uma tentativa de aumento do poder pastoral”, observa o doutor.
Essa é uma estratégia muito sagaz e que deturpa o que são, de fato, essas experiências de profecias. Na Bíblia, os profetas denunciavam essas opressões de projeto de poder, inclusive dos imperadores que tentavam se colocar no lugar de DeusAndrea Santos, pesquisadora da Casa Galileia e doutoranda em sociologia
Sem munição. Para especialistas consultados pelo UOL Notícias, o uso das profecias têm acontecido com maior frequência nos últimos dias.
“É uma narrativa que tem sido acionada com mais força já que o próprio candidato [Bolsonaro] não tem ajudado nesse movimento de conseguir mais votos. Ele não é um bom representante de si mesmo”, analisa Andrea.
O candidato à reeleição ganha espaço entre os evangélicos que defendem pautas conservadoras como a criminalização do aborto e o que ele chama de “ideologia de gênero”. Outros temas, no entanto, não agradam esse público, como a de armamento da população.
De acordo com a pesquisadora, essa pauta é defendida por pastores com grande repercussão nacional, mas sofre resistências entre os fiéis. “Esse discurso de um Deus que é violento, que pegaria em armas, que se armaria em tempo de guerra, não reverbera bem”, explica Andrea.
O armamento da população também é citado por ela como uma realidade desconectada do dia a dia de muitos evangélicos.
Campanha no púlpito. O uso das profecias também é uma forma de minimizar o desgaste desse eleitorado, que tem se cansado da aparição de candidatos políticos em cultos. Para Vale, isso caracteriza um dos motivos pelos quais os eleitores de baixa renda têm declarado voto no petista.
De acordo com o último Datafolha, Lula lidera em 52% das intenções de voto entre os eleitores evangélicos cuja renda familiar mensal é de até dois salários mínimos —Bolsonaro tem 27%.
Há fiéis que estão insatisfeitos, mas não têm coragem de confrontar a igreja, onde você encontra uma serie de serviços, o pastor que já te ajudou. Por isso é bastante plausível supor que há um eleitor evangélico envergonhado [votando] no Lula
Vinícius do Vale, diretor do Observatório Evangélico
Protestos. Durante um evento da OPBB (Ordem dos Pastores Batistas do Brasil), realizado em São Paulo ao fim de agosto, um fiel protestou contra um pedido da organização do culto para que os presentes orassem por candidatos que disputam as eleições este ano e estavam presentes no evento.
Nas redes sociais, também é possível identificar o desgaste dos evangélicos. Em uma publicação de um dos pastores influenciadores, um fiel comentou “evangelize mais e faça menos politicagem”. “Há muita contradição em suas palavras. Amor e fé não combinam com a narrativa do candidato que o senhor apoia, fica difícil entender o seu posicionamento”, escreveu uma mulher.
Visitas. Nos últimos meses, Bolsonaro participou de edições diferentes de marchas para Jesus e visitou cultos. Em todas as ocasiões ele afirma que o Brasil é laico, mas que ele —enquanto presidenciável— é cristão. Na quinta-feira (15), o candidato à reeleição subiu no altar do culto em comemoração ao aniversário do pastor Silas Malafaia e pregou contra o aborto, flexibilização das drogas e pautas LGBQI+.
“Não só Bolsonaro, mas toda base aliada do Bolsonaro tem feito um uso exagerado dos púlpitos e das próprias redes sociais. Algumas viraram sobretudo uma ferramenta na campanha de reeleição do presidente”, aponta Andrea.
Cabo eleitoral. No levantamento da Casa Galileia, os pesquisadores apontam Malafaia como cabo eleitoral de Bolsonaro e uma grande ferramenta na campanha à reeleição.
“O Malafaia fala mais sobre política eleitoral do que sobre religião. O fiel vê que ele não faz mais pregações. São só discursos políticos”, avalia Vale.
Na semana passada, o pastor publicou um vídeo acompanhando o presidente em sua motociata. Entre muitos comentários positivos, havia evangélicos criticando. “Pega sua moto e vai visitar os órfãos e as viúvas, levar socorro aos necessitados, pregar o evangelho”, escreveu um seguidor.
Malafaia foi com Bolsonaro ao funeral da rainha Elizabeth 2ª, em Londres. Além de acompanhá-lo em diferentes agendas oficiais, como o 7 de Setembro.
Em 2018, Malafaia apoiou de forma mais tímida e não tão escancarada. Agora, ele não só reforça a figura de Bolsonaro, mas afirma que evangélicos que votam em Lula não podem ser considerados cristãos. Essa é uma mensagem até antidemocrática, que tira a liberdade das pessoas em quem elas podem votarAndrea Santos, pesquisadora
A reportagem procurou o pastor e pediu um posicionamento, mas não obteve resposta. Se enviado, o texto será atualizado.
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