A tragédia de Petrópolis poderia ter sido evitada. Mas autoridades do poder público lutam, neste momento, para que a população se convença de que nada evitaria uma catástrofe. Torcem para que os brasileiros acreditem que a culpa foi do céu para afastar sua responsabilidade sobre a terra que desceu morro abaixo.
Em uma live nas redes sociais, nesta sexta (18), Jair Bolsonaro (PL) afirmou que mesmo que o poder público tivesse garantido que a cidade estivesse impecável, ainda assim haveria uma catástrofe dada a quantidade de chuvas. Ou seja, em ano eleitoral, tenta convencer que pouco podia ser feito. Prova, dessa forma, ser um representante da política tradicional, usando uma desculpa mofada de verões passados em nome de sua sobrevivência política.
“Obviamente obras de infraestrutura, de contenção de encostas são bem-vindas. Mas mesmo, no meu entender, se em Petrópolis tudo estivesse arrumadinho, logicamente não ia morrer tanta gente, a catástrofe ia menor, mas não ia deixar de ser uma catástrofe. Porque realmente o chovido lá, semelhante foi 90 anos antes”, afirmou. “Bem-vindas”, como se ele não tivesse nada a ver com isso.
Uma coisa é a triste ocorrência de uma fatalidade que pode escapar mesmo à mais rígida aplicação de políticas públicas de moradia, urbanização, alerta e remoção e de combate às mudanças climáticas. Mas uma cidade preparada não produziria nem 5% das perdas humanas e materiais mesmo com a chuva que caiu na terça (15).
Os 140 mortos de Petrópolis (contagem desta manhã de sábado) não são decorrência do acaso, mas de um projeto de país que pensa as cidades para os mais ricos enquanto empurra a força de trabalho para locais perigosos, empilhando-a em morros e a comprimindo-a em várzeas de rios, sempre à espera da próxima tragédia. Jogar a responsabilidade por chuvas fortes é reafirmar que mudar esse projeto de nada adiantaria.
A responsabilidade não é apenas de Bolsonaro, do governador Cláudio Castro (PL) e do prefeito Rubens Bomtempo (PSB), considerando que as condições que levaram ao caos têm sido gestadas há várias administrações. Mas é deles também.
Ninguém espera que proibam a água de cair, mas que, ao menos, sejam capazes de preparar a cidade para sua chegada – com estrutura, mas também com avisos e retiradas de locais vulneráveis. Enquanto, a cidade não é adaptada para as chuvas, o que levaria tempo se uma mudança radical começasse hoje, que haja um sistema de evacuação digno.
O presidente diz que não chove tão forte assim há 90 anos. Ironicamente, o seu governo repetiu à exaustão, no ano passado, que a crise hídrica que afetava a geração e o preço da energia elétrica era por causa da pior seca em 90 anos.
Para além de ser uma desculpa padrão, usada todos os anos para encobrir a falta de planejamento do poder público, revela também a falta de preparo de governos para as mudanças climáticas. Pois fenômenos extremos tendem a ser mais frequentes com o aquecimento médio do planeta – fato que foi rechaçado até por ministro de seu governo, que nega a ciência.
Nesta sexta, em visita ao local da tragédia, o presidente já havia dito que “não temos como nos precaver de tudo o que possa acontecer“. Teve o apoio de seu ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, que culpou a quantidade de chuvas que, segundo ele, “nenhum meteorologista previu”. Bobagem. O que aconteceu na região serrana do Rio, contudo, se repete de tempos em tempos, sem que algo de fato mude.
Em 11 de janeiro de 2011, 918 pessoas morreram em diversos municípios da região serrana do Rio após deslizamento de terra; em 5 de fevereiro de 1988, 134 perderam a vida após um temporal na mesma Petrópolis; entre 1966 e 1967, a lama causou centenas de mortes na Serra das Araras, no Rio – não há um registro oficial, mas contagens variam de 400 a cerca de 2000. Em todos esses casos, bem como na atual tragédia, a imensa maioria das mortes poderia ter sido evitada.
Como já disse aqui, o Brasil não precisa de gestores que peçam a Deus para evitar e mitigar novas catástrofes, como fez o presidente nesta sexta, como se elas fossem fato consumado, mas de gente dedicada a resolver o problema por conta própria, com base na ciência e na mudança de prioridades da política. Pois uma morte pode ser fatalidade, mas 140 é omissão. E 640 mil é crime contra a humanidade.
É impossível, nessas horas, não lembrar do próprio Jair quando afirmou e repetiu que “a gente lamenta todos os mortos, mas é o destino de todo mundo“.
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