Em meados de 2021, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Jorge Oliveira organizaram uma audiência reservada entre o presidente Jair Bolsonaro e a senadora Kátia Abreu (Progressistas).
Era o início de um movimento político suprapartidário que reunia, além do próprio chefe do Executivo, apoios das bancadas de pelo menos cinco legendas para garantir o número de votos suficientes no Senado e eleger a parlamentar à vaga que seria aberta no TCU. A mobilização não era por acaso.
Desde o impeachment de Dilma Rousseff, quando uma decisão do tribunal forneceu o arcabouço jurídico das pedaladas fiscais que resultaram na deposição da petista, manter boas relações com a Corte e seus integrantes tornou-se imperativo. Foi mirando nisso que o nome de Kátia Abreu havia recebido as bênçãos do bolsonarismo. Mas havia outros interesses em jogo, outros grupos políticos que se mostrariam mais bem articulados, elegendo para o cargo o senador Antonio Anastasia (PSD-MG), impondo uma inesperada derrota ao governo.
Na época, a reviravolta gerou uma fissura no núcleo político do Planalto. Dois dos principais expoentes do Progressistas, o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, fizeram chegar a Jair Bolsonaro a informação de que a vitória de Anastasia foi precedida por uma traição da ministra Flávia Arruda (PL-DF), da Secretaria de Governo.
Para incentivar o voto em Anastasia, ela teria redirecionado milhões de reais em recursos do Orçamento para premiar senadores que apoiavam o parlamentar mineiro. A informação provocou um terremoto na relação entre Flávia, Ciro e Lira, além de ter abalado o prestígio que ela tinha junto ao presidente. “Ela não foi sumariamente demitida porque já estava acertada a sua desincompatibilização em março”, confidencia um importante assessor do Planalto. Agora, a disputa por influência na Corte promete novos rounds.
No fim deste mês, a ministra Ana Arraes se aposenta, abrindo mais uma vaga no TCU. Pelo regimento, a indicação ao posto agora cabe à Câmara dos Deputados. O embate, dessa vez, envolve dois importantes aliados do governo: Marcos Pereira, presidente do Republicanos, e Valdemar Costa Neto, presidente do PL, sigla que hoje abriga o chefe do Executivo e dois de seus filhos, o senador Flávio e o deputado Eduardo Bolsonaro.
Embora haja pelo menos quatro parlamentares apresentados como candidatos ao posto, dois deles — um sob as bênçãos de Pereira e outro afiançado por Costa Neto — duelam na condição de favoritos. Pastor licenciado da Igreja Universal, Pereira apoiou a eleição de Arthur Lira à presidência da Câmara e hoje cobra a contrapartida, aguardando que Lira endosse o nome de seu apadrinhado para o TCU, o deputado Jhonatan de Jesus (RR). Mas existe um problema.
Cabo eleitoral do deputado alagoano na mesma campanha ao comando da Casa Legislativa, a deputada Soraya Santos (PL-RJ) é o nome de Costa Neto ao tribunal e, dizem interlocutores, também recebeu garantias de Arthur Lira de que sua candidatura teria a chancela da cúpula da Câmara. Como o mesmo milagre foi prometido a dois santos, a eleição prevista no mais tardar para julho foi adiada, em princípio para depois das eleições de outubro. A justificativa é que a mudança de data vai permitir que se construa um consenso entre as candidaturas. Na verdade, os parlamentares querem usar a vaga no TCU como ativo para negociar.
Candidato natural a um novo mandato como presidente da Câmara, Lira teria a vaga no tribunal como mais um trunfo a fim de se manter no posto, seja Bolsonaro, seja Lula no Planalto. No caso de vitória do petista, a equação seria mais complexa, mas não de todo impossível. Lira estaria disposto a sentar à mesa com o vencedor nas urnas, eventualmente rifar tanto Jhonatan quanto Soraya e endossar um nome do futuro governo em troca de apoio na eleição interna do Congresso. Se der Bolsonaro, o acerto será ainda mais fácil.
Candidato natural a um novo mandato como presidente da Câmara, Lira teria a vaga no tribunal como mais um trunfo a fim de se manter no posto, seja Bolsonaro, seja Lula no Planalto. No caso de vitória do petista, a equação seria mais complexa, mas não de todo impossível. Lira estaria disposto a sentar à mesa com o vencedor nas urnas, eventualmente rifar tanto Jhonatan quanto Soraya e endossar um nome do futuro governo em troca de apoio na eleição interna do Congresso. Se der Bolsonaro, o acerto será ainda mais fácil.
Historicamente irrelevante, o TCU ganhou um ativismo inédito ao ampliar seu raio de ação e atuar em questões que pouco ou nada têm a ver com as contas públicas. A Corte, por exemplo, criou enormes constrangimentos ao ex-juiz Sergio Moro ao decidir investigar as atividades profissionais dele na iniciativa privada. Recentemente, os ministros solicitaram apuração sobre as denúncias de assédio sexual contra o ex-presidente da Caixa, outro assunto que normalmente não seria tratado nessa esfera. O fato é que o TCU hoje cresceu em importância. E a perspectiva de controlar esse poder tem gerado traições e conspirações entre aliados.
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