Em 2022, mais de 8.000 pessoas foram assassinadas — incluindo homicídios dolosos, latrocínios e lesões corporais seguidas de morte — na Amazônia Legal. A taxa de mortes por 100 mil habitantes foi de 26,7 na região, enquanto no restante do país foi de 17,7. Os dados são da Nota Técnica “Segurança Pública e Crime Organizado na Amazônia Legal”, divulgada pelo FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública).
Para os especialistas ouvidos pelo R7, a alta letalidade é explicada pela disputa das rotas de tráfico de drogas pelas facções criminosas, principalmente entre o PCC (Primeiro Comando da Capital) e o CV (Comando Vermelho), pelos crimes ambientais e pela ineficiência do Estado no combate ao crime organizado.

ARTE R7
A região da Amazônia Legal faz fronteira com três dos principais produtores mundiais de drogas: Bolívia, Peru e Colômbia. Por isso, são de vital importância para a entrada das substâncias no país — que serão consumidas aqui ou encaminhadas para outros mercados, como Estados Unidos, Europa e África.
Com base em dados do UNODC (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime) de 2021 e em entrevistas com policiais federais que atuam no combate ao crime organizado, o FBSP afirma que o tráfico de cocaína seria responsável por fazer circular o equivalente a 4% do PIB brasileiro, que fechou em R$ 8,7 trilhões em 2021.
Enquanto as rotas internacionais que passam pelos estados da Amazônia Legal responderiam por cerca de 40% desse volume de dinheiro, ou seja, pelo menos R$ 139,2 milhões foram movimentados pelas organizações criminosas apenas nesta região.
Com 1.620 quilômetros de extensão navegável, o rio Solimões é uma das principais rotas de escoamento da cocaína, que vem de barco do Peru e da Colômbia com destino a Manaus, além de ser palco de disputas violentas entre o PCC, o CV e as demais organizações criminosas locais.
Além da fronteira com países produtores de maconha e cocaína, a região apresenta uma série de desafios ao Estado, como o tamanho do território e as restrições de mobilidade em decorrência do bioma amazônico e das bacias hidrográficas extensas e de difícil acesso. A malha rodoviária também é pouco densa e raramente é asfaltada, dificultando a locomoção dos agentes de segurança.
Outra adversidade são as diferentes possibilidades de transporte utilizadas pelo crime organizado, segundo a desembargadora Ivana David, do Tribunal de Justiça de São Paulo, que acompanha a atuação do PCC desde a sua fundação. “A região amazônica sempre teve vários modais. É possível se deslocar de avião, bicicleta, barco, o que dificulta o trabalho das autoridades. Enquanto no Sul, por exemplo, não há rios [e o escoamento de drogas por esses meios]”, afirma.
Para Betina Barros e Ivana David, o Estado vem falhando no combate às facções criminosas na Amazônia Legal em razão da carência de efetivo policial, de investimento em equipamentos, como embarcações, helicópteros e aviões, e de políticas públicas de prevenção aos crimes ambientais e ao narcotráfico.
A nota técnica do FBSP, por exemplo, mostra que os nove estados da Amazônia Legal possuem um delegado a cada 2.451 km² e um profissional da perícia criminal a cada 2.280 km², enquanto no Brasil essa proporção é muito menor: há um delegado a cada 734 km² e um profissional da perícia criminal a cada 720 km².
“Existe uma carência no efetivo que não dá conta do extenso território [amazônico], muito maior do que no Sul e Sudeste. A lógica de utilização de viaturas nessa região também é dominante, sendo que nesta região praticamente não há rodovias”, critica Betina Barros.
Além do número baixo de policiais, a desembargadora do TJ-SP afirma que o Brasil, por ser signatário de convenções internacionais, não deve apenas reprimir a criminalidade, mas tem o compromisso de atuar na prevenção, incluindo o combate ao garimpo ilegal, à grilagem, ao desmatamento e à extração de madeira.
“Com a ausência de forças policiais para evitar os crimes e punir aqueles que praticaram atividades ilegais, as organizações criminosas encontram esse vácuo de poder. Então, matam cada vez mais para tomar mais espaço. A resposta disso são os lucros absurdos que elas obtêm”, assinala Ivana David.
Um dos caminhos indicados pela pesquisadora do FBSP para o combate à criminalidade é o investimento em políticas públicas de médio a longo prazo. Para ela, atualmente houve um aumento somente em ações policiais consideradas imediatistas.
Em maio, por exemplo, as Forças Armadas e o Ibama destruíram 29 embarcações utilizadas pelo garimpo ilegal na região da floresta amazônica. A iniciativa faz parte da Operação Ágata Amazônia. O prejuízo causado aos garimpeiros pode ultrapassar a casa de R$ 49 milhões, porém a efetividade da ação é de curto prazo.
“É necessário criar uma política pública mais eficaz para todo esse território, garantindo a subsistência dessas pessoas que às vezes atuam na criminalidade ambiental como forma de garantir a sobrevivência. Elas precisam ter uma alternativa, e a polícia não vai conseguir fazer isso sozinha”, afirma Betina Barros.
À reportagem, as especialistas também reforçaram que há urgência no investimento da infraestrutura da polícia, incluindo o aumento do efetivo, a criação de mais delegacias especializadas em crimes ambientais e a aquisição de equipamentos, como helicópteros e embarcações.
O último pilar essencial para o combate às facções criminosas na Amazônia Legal é a interligação das forças de segurança nas esferas municipal, estadual e federal.
“Há uma infinidade de órgãos que precisam estar em alguma medida conversando para atuar de forma conjunta. A interligação dos mecanismos de governança é a única forma que o Estado tem para conseguir combater o crime que já está muito interligado. As organizações criminosas conseguem fazer isso ao se aliarem à criminalidade ambiental”, finaliza Betina Barros.

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