Na semana passada, após 128 dias de trabalho, os sete vereadores do Conselho de Ética da Câmara do Rio decidiram por unanimidade pela cassação do mandato de Gabriel Monteiro (PL). São aguardados recursos da defesa antes da chegada da pauta ao plenário: 34 votos, ou dois terços dos ocupantes de gabinetes no Palácio Pedro Ernesto, sacramentam a cassação. Antes dessa etapa do processo, no entanto, os 12 depoimentos colhidos tiveram seu sigilo suspenso na última sexta-feira — e o que se lê nos relatos é estarrecedor. O político e youtuber responde por quebra de decoro parlamentar.
Vinícius Hayden Witeze, ex-assessor de Gabriel Monteiro, contou ao conselho que conheceu o vereador em 2018, quando ele ainda envergava o uniforme da PM e já se destacava como youtuber, com 1 milhão de seguidores. Os dois integravam o Movimento Brasil Livre (MBL), grupo político conservador que levaria Monteiro para a política, junto com nomes como o de Arthur do Val (Mamãe Falei) — o deputado estadual por São Paulo, que teve o mandato cassado em maio, serviu inclusive de inspiração para a militância audiovisual de seus correligionários cariocas.
— Quem roteirizava tudo era o Gabriel (…)dizia como ia ser do início, meio e fim. Ele fala assim: “Eu quero uma pessoa negra, eu quero uma pessoa com cabelo desgrenhado, eu quero uma pessoa com aspecto de pobreza, eu quero uma pessoa vulnerável e que esteja ali num sinal, na rua, alguma coisa, para poder gravar — declarou Witeze, que morreu dias depois do depoimento, no fim de maio, em um acidente de carro.
“Nunca foi o social”
Tal comportamento, segundo o ex-assessor, teria orientado produções como aquela em que o vereador abordou uma criança cuja mãe vendia bala na rua, antes de explicar o que a menina deveria falar diante da câmera. Witeze disse que a intenção de Gabriel com os vídeos nunca teria sido ajudar as pessoas, mas ganhar dinheiro com as visualizações.
— A finalidade do vídeo não era o social. Nunca foi o social. O fim mesmo do vídeo era a monetização dele. Então, quanto mais triste ele criasse uma narrativa, quanto pior fosse essa história, melhor seria porque vai viralizar o vídeo, e ele vai lucrar muito mais, vai ganhar muito mais dinheiro em cima desse vídeo.
Em seu depoimento, o ex-assessor conta que, no início, a equipe envolvida com as produções tinha apenas três pessoas: ele, Gabriel Monteiro e o chefe de gabinete do vereador, Rick Dantas, a quem definiu como uma pessoa que ocupava o cargo sem exercê-lo.
— É o seguinte: ele é nomeado como chefe de gabinete, mas é responsável da mídia do Gabriel Monteiro; ele é o chefe de mídia. Ele não pisa nessa Câmara. Na verdade, quem é o chefe de gabinete é o advogado, ali atrás (apontou Witeze, na sala onde foram realizadas as reuniões do conselho), Dr. Gustavo (Lima), que atua como chefe de gabinete — declarou.
Gustavo Lima chegou a comparecer ao enterro de Vinícius, no dia 28 de maio, mas foi expulso do local por parentes do ex-assessor. Em seu depoimento no Conselho de Ética, Luíza Caroline Bezerra Batista também falou de Rick Dantas, dublê de chefe de gabinete e produtor de vídeo, quando o diálogo girou em torno da jovem filmada por Gabriel Monteiro durante relações sexuais com ele.
— Eu tenho foto com ela (a adolescente). Sempre frequentou (a casa de Gabriel). Tanto é que, às vezes, chegava no estúdio onde a gente tava fazendo reunião. (…) Daí, ela chegava, e o Rick Dantas colocava até a música da “Galinha Pintadinha” pra ela, porque ela era menor de idade, ela era criança — declarou Luíza, que trabalhou por sete meses com o vereador como atriz e roteirista nas produções.
Mateus Souza de Oliveira, em seu depoimento, afirma ter visto a jovem, entre outras adolescentes, vestindo uniforme escolar na casa onde trabalhavam para o vereador. Diante da Comissão de Ética, o também ex-assessor diz ainda que Gabriel a visitava no colégio.
— Um dia, a gente estava passando por lá e ele viu a garota. A garota ficou até meio sem graça. E ele virou para os amiguinhos e falou: “Aquela lá é minha namorada. Aquela lá é minha namorada”. (…) Ela até pediu desculpas, depois, por não ter falado com ele; porque não queria que os demais soubessem — contou Mateus.
Sobre menores frequentarem a casa, Mateus afirmou que Gabriel considerava que conquistar adolescentes era algo que conseguia por ser “rico e bonito’’. A presidente do Conselho da Criança e do Adolescente da Câmara, Thais Ferreira (PSOL), ficou chocada com os relatos.
— Qualquer violência desse gênero é inadmissível. No caso de um vereador, a conduta é ainda mais absurda por ser um representante da população que comete práticas sexistas. Jovens não devem se calar — declarou.
Nos depoimentos que orientaram o trabalho do Conselho de Ética da Câmara e, agora, são públicos, o desfile de sandices e infrações à lei parece interminável. Luíza Caroline afirma que chegou a receber um punhal de Rick Dantas, para se defender de investidas inconvenientes do patrão — o que não é confirmado no depoimento do PM que dirigia o carro onde estavam Luíza e Gabriel.
Ex-editor de vídeos de Gabriel, Mateus, em seu depoimento, descreveu diversas situações impróprias, para dizer o mínimo:
— Nas últimas semanas (antes do editor pedir demissão), o Gabriel simplesmente chegava no nosso escritório lá, que era um quarto lá na casa dele, tirava a calça e virava o… orifício anal dele pra cima, e ficava lá parado. É algo bizarro. É algo bizarro… e… eu acho que vocês não vão acreditar, mas é… sabe? É algo estranho e é constrangedor — contou.
Outras acusações
Em seu depoimento, Gabriel Monteiro admitiu que filmar menor em relações sexuais é crime. O vereador, no entanto, afirmou acreditar que foi induzido ao erro.
— Ficou definido que havia capacidade de ter pleno conhecimento da idade da vítima — declarou o delegado Luís Mauricio Armond, encarregado de investigação policial do caso, na edição de ontem do Fantástico.
O programa da TV Globo abordou outros trechos dos depoimentos ao Conselho de Ética da Câmara e, fora do âmbito do processo de cassação, ouviu uma mulher que o acusa de estupro e registrou ocorrência no início do mês. Procurada na tarde de ontem, a assessoria do vereador Gabriel Monteiro atribuiu as denúncias a uma articulação entre seus ex-assessores e uma “organização criminosa formada pela máfia dos reboques’’.
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