“As equipes do IBAMA e da Petrobras estão dialogando, complementações estão sendo feitas. Enfim, a gente espera que logo tenha uma decisão em relação a esse caso.”
A fala de Rodrigo Agostinho, presidente do IBAMA, em entrevista à CNN Brasil, repercutida por Folha, InfoMoney, Poder 360 e Terra, dá a tônica do que se tornou o processo de licenciamento de um poço exploratório de combustíveis fósseis no bloco FZA-M-59, na foz do Amazonas: um “caso”. O que era para ser apenas uma avaliação técnica tornou-se um jogo de pressões políticas que deixam de lado a legislação ambiental alegando uma promessa suspeita de desenvolvimento econômico que, historicamente, o petróleo nunca promoveu.
Agostinho foi entrevistado um dia após o presidente Lula admitir, ainda que à força, a contradição de defender a exploração de combustíveis fósseis e lamentar a tragédia no Rio Grande do Sul, causada pelas mudanças climáticas que, por sua vez, são provocadas principalmente pela queima de petróleo, gás e carvão. Mas, a despeito disso, Lula insiste no “caso” e quer botar IBAMA, Petrobras e Ministério do Meio Ambiente numa reunião para “decidir” [a análise técnica que se exploda]. E alega a tal “riqueza” do petróleo, ainda que faça a ressalva “se ela for de verdade”.
O senão do presidente se deve ao fato de que a foz do Amazonas é apenas uma promessa. Com a descoberta de grandes reservas de petróleo na Guiana, quem defende que o Brasil deve extrair até a última gota de petróleo de seu subsolo aposta que, se tem combustíveis fósseis no litoral guianense, tem no litoral do Amapá também, apesar de ficar a mais de 1.000 quilômetros de distância. Falam em possíveis 5 bilhões de barris na foz.
No entanto, não mencionam que já foram perfurados quase 100 poços na região, segundo dados da ANP. E nenhum resultou em descoberta comercial. Fora as perfurações que tiveram de ser interrompidas por causa das fortes correntes marítimas.
Mas os planos para a “riqueza” incerta do também incerto petróleo da foz não miram só o “desenvolvimento” como quer Lula. Tem gente jurando de pés juntos que só com mais combustíveis fósseis sendo extraídos no Brasil poderemos bancar a transição energética do país.
Em sua posse como presidente da Petrobras – na qual Lula disse esperar que a petroleira lidere a transição energética brasileira –, Magda Chambriard indagou quem banca a transição. Para ela, a resposta é uma só: só produzindo mais petróleo o Brasil consegue isso, informam CNN e UOL. Não satisfeita, disse que o gás fóssil é um “combustível de transição”, segundo a Agência Brasil. Não importa se suas emissões pioram as mudanças climáticas.
Como não podia deixar de ser, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, também associa a transição energética a mais petróleo. E confirma que a decisão técnica do IBAMA sobre a foz virou um “caso”, ao dizer que a exploração de combustíveis fósseis na região é “visão majoritária” no governo, relata O Globo. E pediu “celeridade” ao órgão ambiental, segundo o Estadão.
Ao associarem combustíveis fósseis e transição, Magda e Silveira ignoram a história do país que dizem querer desenvolver. Afinal, o Brasil construiu um dos maiores parques hidrelétricos do planeta sem precisar do petróleo, já que não dispunha dele. Além disso, desenvolveu o etanol justamente para suprir o mercado de combustíveis, que dependia da importação de óleo. E atualmente as usinas eólicas e solares que se espalham e assumem um protagonismo cada vez maior na matriz elétrica nacional também não dependem disso.
Vão precisar inventar outra narrativa para defender energia suja. Essa não cola.
Em tempo: Atenção, Lula, Silveira e Magda: 86% dos entrevistados pela People’s Climate Vote, feita pelo Programa das Nações Unidas pelo Desenvolvimento (PNUD), querem que seus países deixem de lado as diferenças e se juntem na proteção do clima e adaptação aos impactos. Pessoas dos países que mais produzem combustíveis fósseis no mundo são favoráveis a uma transição rápida para o abandono dessas fontes. Os brasileiros apoiam (81%) a transição rápida, sendo que 61% disseram querer que isso ocorra muito rapidamente, conta Daniela Chiaretti no Valor. A pesquisa ouviu 73 mil pessoas em 77 países e de 87 idiomas diferentes. Os 77 países em que a pesquisa foi realizada representam 87% da população global.
ClimaInfo, 21 de junho de 2024.
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