O Brasil é um dos maiores produtores de carne bovina do mundo, o maior exportador e tem potencial para lucrar ainda mais com a atividade, já que as projeções do setor apontam para um crescimento expressivo na demanda pela proteína. Segundo o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), os frigoríficos brasileiros devem embarcar 2,85 milhões de toneladas de carne bovina em 2024, 100 mil a mais que em 2023. Mas, para não perder mercado, é urgente que a pecuária brasileira se reinvente e enfrente de vez seus dois grandes problemas.
A primeira questão é que a atividade vive uma crise de imagem. É apontada como principal vetor do desmatamento, com especial atenção para a Amazônia Legal, onde já está claro que não se pode mais derrubar nenhuma árvore. Ainda está cada vez mais associada a práticas criminosas na região, como a grilagem de terras, causa de violência e diversos prejuízos socioambientais. Por conta disso, a carne brasileira já vem sofrendo sanções do mercado internacional e, se não conseguir melhorar essa imagem, também deve perder cada vez mais espaço aqui dentro, visto que vários consumidores brasileiros finalmente estão boicotando produtos que sabem ser oriundos do desmatamento.
O segundo grande problema é a baixa produtividade, que acaba sendo a causa da necessidade de desmatar tanta área. Segundo o Amazônia 2030, em 2022, a pecuária bovina na Amazônia Legal ocupava cerca de 75 milhões de hectares, dos quais 40 milhões estavam com algum grau de degradação, o que equivale a duas vezes o território do Paraná. Ineficiência do uso da terra que resulta em baixos indicadores socioeconômicos. A Amazônia Legal polui como uma potência internacional, mas não gera riquezas ou empregos na mesma proporção. Apesar de já existirem tecnologias e oferta de crédito rural para tornar a atividade mais produtiva, o desperdício persiste, por conta de políticas que incentivam o desmatamento e escassez de infraestrutura, entre outros problemas históricos da região.
Para desassociar a pecuária do desmatamento e de práticas criminosas, quem vende boi precisa provar que o animal não passou por essas áreas, em nenhuma etapa da cadeia, incluindo a indireta, ou seja, todas as fazendas nas quais viveu ao longo da vida. No Brasil, esse ainda é um desafio. A última edição do Radar Verde, único indicador, público e independente, de transparência e controle da cadeia de produção e comercialização de carne bovina no Brasil, mostrou 95% dos maiores varejistas e 92% dos frigoríficos localizados na Amazônia Legal possuem controle da cadeia pecuária muito baixo. Isso pode mudar se as empresas se comprometerem a adotar melhores práticas e a cobrar o mesmo de seus fornecedores.
Mais controle da cadeia não leva, por si só, ao aumento da produtividade, mas as coisas podem andar juntas. O estudo, “Da escassez à abundância”, do Amazônia 2030, detalha o caminho. Segundo os pesquisadores, é possível triplicar a produtividade dos pastos que ocupam 80% da área em uso agropecuário na região. Para isso, os fazendeiros precisam fazer a sua parte, investindo em cultivo e manejo do pasto, no cuidado sanitário dos animais e no treinamento de pessoal, práticas que podem aumentar a média de produtividade do gado bovino de 80 kg/hectare/ano para 300 kg/hectare/ano.
Outra sugestão interessante do mesmo trabalho é concentrar a criação de gado perto dos frigoríficos que os abatem, o que exigiria menos investimento em logística e infraestrutura e ainda facilitaria o trabalho de controle da cadeia. Os pesquisadores afirmam que os pastos necessários para abastecer a demanda projetada até 2030 estão localizados até 60 km dos atuais frigoríficos na Amazônia e que, portanto, o governo deveria focar os investimentos nessas áreas, tornando possível reformar em cinco anos os 15 milhões de hectares de pastos degradados nessas zonas. Mais produtividade, com zero desmatamento.
Já investigamos os problemas e encontramos soluções, o que falta para a pecuária brasileira evoluir? Temos potencial não só de ser os maiores no mercado global, mas também de dar exemplos de como transformar uma atividade associada à destruição em uma impulsionadora do real desenvolvimento. Aquele que leva sim em conta indicadores econômicos, claro, mas que também olha para as questões socioambientais e para o verdadeiro sentido da palavra sustentabilidade, que é a capacidade de não só chegar a algum lugar, como o primeiro no ranking de exportações de carne, mas a de se manter nele.
*Angélica Queiroz é jornalista e gerente de conteúdo em O Mundo que Queremos. Dayane Nascimento é jornalista e coordenadora de projeto em O Mundo que Queremos.
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