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Crítica The Batman │ Um adversário à altura de um medonho bandido

Foto: Divulgação

O que é ser um herói? Existem várias possíveis respostas para isso, mas podemos dizer essencialmente que um herói é um símbolo. É a representação de um ideal, uma figura de inspiração para mostrar às pessoas que é possível ser alguém melhor e que bastam nossas ações para fazer o mundo ser diferente. E, por isso mesmo, o Batman sempre foi bastante dúbio.

Embora seja um dos ícones dos quadrinhos e um dos maiores nomes quando o assunto é super-herói, o Cavaleiro das Trevas vai na contramão dessa ideia. Ele não é luz, mas um personagem de sombras e com meios não muito ortodoxos que faz o que julga ser necessário para defender aquilo que ele acredita ser o certo — o que, às vezes, ultrapassa a linha da razoabilidade.

E o grande acerto do diretor Matt Reeves com seu The Batman é justamente escancarar essa ambiguidade existente no vigilante de Gotham para trazer uma das versões mais impactantes e cruas de um ícone das HQs. Com uma interpretação bastante ousada do que é o personagem e do que representa, ele traz um herói que é diferente de tudo o que já vimos no cinema e, ao mesmo tempo, assustadoramente familiar.

Mais do que idealizar a figura de alguém que decide lutar contra o crime todas as noites na base do soco, ele expõe o quanto as intenções do personagem são questionáveis e que esse seu olhar ingênuo para problemas tão complexos pode ter consequências inesperadas. Isso porque, no fim das contas, o Batman é um terrorista — alguém que usa o medo para controlar as pessoas de uma cidade — e que as coisas podem sair de controle quando não são encaradas pelo ponto de vista devido.

Assim, para explorar toda a complexidade moral e psicológica que existe na figura do Homem-Morcego e trazer uma jornada de peso para um símbolo dessa magnitude, o filme expõe todas essas fragilidades e mostra que, no fim das contas, o herói é parte do problema que jurou combater. E o resultado não poderia ser mais positivo: The Batman é facilmente uma das melhores histórias de super-heróis já feitas.

Começo de carreira

Pode soar intempestivo dar esse título a The Batman, mas não há como negar que o novo longa da DC acerta em tudo o que se propõe a fazer. Ele é denso, pesado, cru e extremamente envolvente na hora de apresentar toda essa complexidade ligada ao personagem — e sem medo de apresentar essas questões que quase sempre são ignoradas quando o assunto é Homem-Morcego.

O grande cerne do filme é justamente esse arco de transformação, com o herói entendendo não só o seu papel dentro de uma Gotham corrompida pela violência e criminalidade, mas entendendo seu papel dentro dessa estrutura e, acima de tudo, o que ele deve simbolizar para as pessoas.

Mais do que ser a vingança e o medo, um herói é a esperança e a justiça. É ao entender essa dinâmica que Reeves leva o seu roteiro a outro patamar. E é muito interessante os meios que ele usa para mostrar isso, a começar pela própria fotografia. Não é por acaso que The Batman começa sendo muito escuro e termina justamente com cores mais quentes, trazendo visualmente também essa transformação de seu protagonista.

Só que, antes dessa transição acontecer, temos esse Batman ainda em começo de carreira e à beira do descontrole. Robert Pattinson vive um Bruce Wayne extremamente introspectivo, cheio de traumas e com dificuldades de se socializar que encontra na violência uma forma de se expressar. É, de longe, a melhor versão do personagem até hoje e mostra como todas as críticas quanto à sua escalação foram terrivelmente injustas.

Ele está tão bom no papel que, em muitos momentos, não é necessário nem mesmo dizer algo para expressar o que o personagem está pensando ou sentindo. Nos minutos iniciais, você sente a fúria e o ódio que o Batman carrega enquanto sai à caça de criminosos em Gotham apenas pelo seu jeito de andar. Por mais estranho que seja pensar nisso, o garoto de Crepúsculo impõe respeito sob o manto do morcego de forma que ninguém conseguiu até então.

Em outro momento, ainda mais impactante, Pattinson entrega toda a dor da perda dos pais ao encarar um garoto órfão em uma cena que consegue ser mais forte do que qualquer tentativa de recontar sua origem. Apenas pelo silêncio e pela troca de olhares é possível entender perfeitamente o que ele está passando e isso é incrível.

E tão responsável quanto o ator é a ótima direção de Reeves. Ele sabe dosar muito bem a tônica de cada um dos momentos, se estendendo em takes específicos para aumentar a tensão ou para fazer o público sentir a mesma coisa que seus personagens. É um detalhe muito sutil, mas que se repete em vários momentos ao longo do filme e que mostram o quanto ele é cuidadosamente montado para ser mais do que apenas um filme de herói.

Tanto que é realmente difícil classificá-lo como tal. Nesse sentido, The Batman se aproxima muito da trilogia de Christopher Nolan, que trouxe uma história muito mais policial do que realmente de quadrinhos. A diferença, contudo, é que a nova versão do personagem não tem tanta vergonha de se abraçar a alguns exageros das HQs e usa isso a seu favor para destacar seu próprio discurso.

Isso permite, por exemplo, que tenhamos um Cavaleiro das Trevas que é realmente o maior detetive do mundo e não apenas alguém com muita tecnologia a seu dispor. Sua capacidade de observar, fazer conexões e chegar a conclusões são muito bem exploradas pelo roteiro e levam a trama muito mais para algo mais policial nesse sentido do que um clássico filme de gibi que a gente se acostumou tanto a ver. É algo diferente do que tínhamos visto nas próprias iterações anteriores do Batman e que mostram apenas o quanto essa nova versão é única.

Suporte de peso

Só que não é apenas Pattinson que se sai muito bem em The Batman. Para que o herói possa brilhar, é preciso ter um grande vilão para antagonizá-lo — e Paul Dano faz isso de forma incrível com o seu Charada. Ele é, sem sombra de dúvidas, a melhor coisa de todo o longa e entrega uma versão assustadoramente crível de um personagem que sempre foi bastante caricato.

Mesmo mostrando o seu rosto muito pouco, o ator cria um timbre para dar vida a essa maníaco que está à caça de figurões de Gotham que é tão impactante que você compra facilmente o tamanho da ameaça. Ele está muito mais para Jigsaw, de Jogos Mortais, do que para a coisa escalafobética de Jim Carrey em Batman Eternamente. E isso fica ainda mais impactante quando o seu plano é inteiramente revelado e você percebe o quanto ele e o Batman fazem parte de uma mesma lógica — o que, mais uma vez, apenas enriquece o discurso levantado pelo roteiro.

Ao mesmo tempo, a Mulher-Gato de Zoë Kravitz é outra que está muito bem. Embora ela seja a grande responsável por um desvio da trama no final do segundo ato, ela é fundamental para humanizar o protagonista, mostrando que é possível lidar com a dor e a perda sem perder o controle.

Ação e intensidade

Só que, por mais diferente que The Batman tente ser, não há como ignorar que ele nasceu nos quadrinhos. E Reeves não ter vergonha de abraçar aquilo que o meio tem de melhor e capricha na ação e na intensidade de tudo o que está acontecendo. Tanto que, mesmo sendo um filme terrivelmente longo, é fácil aproveitar as mais de três horas em meio a tanta coisa acontecendo.

O grande destaque aqui são as cenas de luta. Todas são muito bem coreografadas e montadas de forma seca e muito crua, sem as acrobacias e exageros de outras produções. A ideia aqui é se aproximar mesmo de uma briga de rua, com um maluco vestido de morcego surrando bandido em becos escuros — o que lembra muito o que vimos nas séries do Demolidor, por exemplo.

Da mesma forma, toda a cena do Batmóvel é incrível justamente por não ter medo de acelerar em direção ao surreal em prol do bom entretenimento. Tudo bem que o Batman causou dezenas de acidentes e um engavetamento que pode ter matado muita gente, mas tudo é visualmente tão impactante que você apenas aceita e vibra quando vê o veículo sair das chamas em meio a uma perseguição que é tão longa quanto empolgante.

Além disso, a trilha sonora é um capítulo à parte. Como dito, The Batman tem um ritmo um pouco mais lento justamente para dar essa intensidade no movimento e nos sentimentos dos personagens — e isso é algo que se estende também para o tema do herói. Ela é tão pesada quanto o Homem-Morcego e dá o tom perfeito de quem é aquela figura mascarada e o que ela representa como um todo para Gotham: soturna, tensa e amedrontadora.

Da sombra à luz

É realmente um desafio e tanto dar uma nova interpretação a um personagem que é tão marcante e presente nos cinemas quanto o Batman. Contudo, o que Matt Reeves e Robert Pattinson fazem aqui destoa de tudo o que a gente já viu do herói em diversos aspectos. Da violência aplicada aos elementos psicológicos que são levantados e até a questão do que realmente representa o símbolo do morcego e como ele inspira as pessoas, tudo em The Batman soa como novo.

E ele faz isso ao entender o que o herói sempre representou nos quadrinhos. Nunca foi apenas sobre perseguir um palhaço psicopata ou surrar um ex-promotor com sérias deformações faciais. O grande ponto que sempre fez do Batman um personagem icônico nos quadrinhos é essa dubiedade de suas ações e motivações e que o longa acerta muito bem ao tratar disso.

Sem medo de mostrar que a estratégia do terror é um equívoco e que nada de bom nasce do medo, ele apresenta uma jornada que tira o Cavaleiro das Trevas dessa sombra e o traz para o real símbolo do que é o herói — algo que a Warner parece ter esquecido nos últimos anos.

 

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