À medida que o ano avança e as eleições se aproximam, partidos tentam se adaptar às últimas mudanças legislativas promovidas pelo Congresso Nacional. Entre as alterações que começam a valer em 2022, está o dispositivo que busca incentivar a participação feminina nas disputas para cadeiras no Executivo e Legislativo.
Uma dessas alternativas criadas para driblar o conservadorismo partidário é a contagem em dobro dos votos de candidaturas femininas para fins de distribuição entre as legendas das verbas do Fundo Eleitoral, o “Fundão”. Na prática, a medida incentiva as legendas a filiarem e lançarem mais mulheres na disputa, uma vez que, quanto mais votos conseguirem, maior será a parcela “abocanhada” pela sigla.
Criado após o Supremo Tribunal Federal (STF) proibir a doação de empresas às campanhas políticas, o Fundo Eleitoral é formado por recursos do Tesouro Nacional repassados ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que distribui o montante às legendas.
Mais do que votos em dobro para efeitos de divisão do Fundão, o Congresso Nacional também aprovou a obrigatoriedade de os partidos preencherem com mulheres, no mínimo, 30% de suas candidaturas a todos os cargos em disputa.
O mesmo percentual também será levado em conta na hora de distribuir os recursos destinados à campanha. Isto é, 30% do dinheiro deverá ser utilizado, exclusivamente, para financiamento de campanha de candidatas femininas.
As mulheres ainda terão 30% do tempo de propaganda eleitoral do partido reservado, independente do número de candidaturas.
Quais os efeitos práticos?
Para se ter uma ideia do desafio que será enfrentado pelas candidatas nas próximas eleições, atualmente, apenas 77 dos 513 assentos da Câmara dos Deputados são ocupados por parlamentares mulheres – 15% do total das cadeiras. O panorama é semelhante no Senado: só 13 dos 81 assentos são ocupados por senadoras (16%). Outro exemplo é a corrida presidencial, cujas únicas duas pré-candidatura feminina até o momento são da senadora Simone Tebet (MDB-MS) e de Vera Lúcia, do PSTU.
A expectativa dos legisladores é de que os dispositivos sejam capazes de driblar essa disparidade, induzindo um aumento de ao menos 18% no número de mulheres eleitas como deputadas ou senadores, por exemplo.
A coordenadora da bancada feminina na Câmara, deputada Celina Leão (PP-DF), prevê, como efeito prático das novidades na legislação eleitora, um Parlamento menos desigual em gênero já na próxima legislatura.
“Na eleição de 2020, os partidos não tiveram tempo para se organizar e aplicar as candidaturas femininas. O recurso existia, mas os partidos não se organizaram. Tivemos um ótimo desempenho de mulheres eleitas, mas, se tivéssemos mais tempo, teríamos um número ainda maior de mulheres. Minha previsão, para este ano, é de que vamos conseguir ampliar a bancada feminina na Câmara Federal”, avaliou.
Bancadas exclusivamente femininas
O cargo de liderança ocupado pela deputada brasiliense é relativamente novo e decorre da pressão das parlamentares por maior representatividade no colégio de líderes. No Congresso, foi só no ano passado que o Senado instituiu uma bancada exclusivamente feminina.
Para além do caráter simbólico, a criação de uma bancada feminina tem caráter regimental. Na prática, significa que as parlamentares mulheres têm um assento no colégio de líderes, participam da discussão das pautas de votações e, em plenário, podem exercer o direito do tempo maior de liderança para fala, além de orientarem a respectiva bancada na votação de projetos de lei.
“Este é um avanço, com certeza. Para se ter ideia, nós da bancada feminina aprovamos mais de 120 projetos desde o início da minha gestão. É uma aprovação recorde na legislatura. Entendo que conseguimos consolidar um trabalho não só de votar pautas femininas, mas de interesse nacional. Não precisamos de tratamento diferente, mas igual”, defendeu a parlamentar.
Leão destaca que a criação das bancadas também permitiu um maior engajamento de servidoras nas discussões legislativas. “Temos uma estrutura consolidada que ampliou o número de mulheres participantes, porque no dia que a Celina não estiver mais na coordenação, teremos uma memória e teremos quem pavimente o caminho para a nova líder”, completou.
Aquém do esperado
Apesar de considerar os dispositivos um avanço na legislação eleitoral, a consultora política Barbara Furiati, da BaseLab, acredita que outras medidas teriam maior eficácia para ampliar a participação feminina nos pleitos eleitorais. “Precisamos de muito mais, o Brasil tem uma das menores representatividades femininas do planeta. O Paquistão tem maior representatividade que o Brasil”, afirmou.
“Não acho que a gente ter um maior número de candidatas signifique, necessariamente, que teremos mais mulheres eleitas. É preciso entender o quanto disso virará efetivamente mulheres eleitas uma conta complicada. Um país com apenas 12% de mulheres eleitas mostra que o que a gente já faz não é o suficiente”, prosseguiu a especialista.
Para a cientista política, as mudanças na legislação “ainda são muito basilares”. “Só teremos mais candidaturas de mulheres porque os partidos foram obrigados a atingirem o mínimo previsto para investimento nestas candidaturas. Eu defendo a reserva de vagas e as demais medidas, mas precisamos entender que tudo isso é muito basilar num país com um eleitorado do tamanho do Brasil, que é majoritariamente feminino”.
“Precisamos entender da importância da participação da mulher no contexto político, uma vez que é comprovado que a própria atividade legislativa, por exemplo, muda conforme a proporção de homens e mulheres no Parlamento. Um homem candidato requer muito planejamento, uma mulher candidata requer muito grito, muita luta”, finalizou Bárbara.
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