Pouco mais de um mês depois, governo federal anunciou mais uma troca na presidência da Petrobras. Irritado com a alta do preço dos combustíveis em ano eleitoral, o presidente da República, Jair Bolsonaro, demitiu Bento Albuquerque do Ministério de Minas e Energia e José Mauro Coelho da presidência da petrolífera.
Foi a terceira mudança de comando da estatal na gestão dele, numa tentativa de colocar um nome capaz de interferir nos preços praticados. O presidente da Petrobras até tem influência sobre a política de preços, já que faz parte da diretoria executiva da empresa, mas a decisão deve ser compartilhada pelos outros integrantes da administração.
Nesse sentido, Bolsonaro já deu indicações de que realizará mudanças também na diretoria da estatal, indicar um nome para presidir o conselho de administração e alterar a composição das outras cinco vagas que compõem o grupo.
Em resposta ao UOL, a Petrobras disse que compete à diretoria executiva (da qual o presidente da companhia faz parte) aprovar a política de preços da estatal, conforme previsto no artigo 34 do estatuto social da Petrobras, mas que a empresa, por lei, deve “operar em condições de mercado sem qualquer prática de preços artificialmente controlados ou não competitivos”.
Nota da companhia diz que se, isso acontecer, “além de incorrer em compensações pelos prejuízos causados, pode acarretar no desabastecimento do mercado nacional”.
O que diz a lei sobre a interferência
O advogado Marcelo Godke, especialista em direito empresarial e societário e professor do Insper e da Faap (Fundação Armando Álvares Penteado), explica que, em tese, conforme as regras atuais, o presidente da Petrobras, sozinho, não tem poder sobre o conselho de administração da empresa. “A diretoria tem a função de executar o plano do conselho”, diz.
Além do mais, a Petrobras é uma companhia de capital misto, ou seja, é caracterizada como uma sociedade anônima, com ações listadas na B3, a Bolsa de Valores de São Paulo, e tem como acionistas a União e diversos agentes privados, como fundos e pessoas físicas.
A União controla mais de 50% das ações com direito a voto da empresa, e pelo artigo 238 da Lei das S.A. poderia decidir pelo não reajuste dos preços dos combustíveis.
“A pessoa jurídica que controla a companhia de economia mista tem os deveres e responsabilidades do acionista controlador (artigos 116 e 117), mas poderá orientar as atividades da companhia de modo a atender ao interesse público que justificou a sua criação”, diz a norma.
Dessa forma, avalia Godke, conter os valores dos combustíveis pode ser considerado interesse público. “A companhia pode ser orientada pela União para que leve em consideração interesses públicos, como evitar uma inflação maior”, analisa.
Por outro lado, o professor considera que, mesmo que a União oriente a companhia nesse sentido, cabe aos administradores da estatal efetuar as deliberações. “(A política de preços) pode ter influência do governo federal, mas não é automática e depende da administração da companhia.”
Como funciona a política de preços da Petrobras
A Petrobras utiliza o Preço de Paridade de Importação (PPI) para definir o valor que cobrará dos distribuidores. O PPI considera os custos praticados no mercado internacional.
O cálculo leva em conta as despesas logísticas de trazer os combustíveis ao Brasil e uma margem para remuneração dos riscos da operação. Já que o preço no mercado internacional depende do dólar, a cotação da moeda também interfere nessa conta.
Essa fórmula começou a ser adotada em 2016, durante o governo do ex-presidente Michel Temer. Antes disso, nos governos anteriores, de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, do PT, o cálculo levava em conta a variação de preço do petróleo no mercado internacional e também os custos de produção no país.
A participação da Petrobras no preço da gasolina corresponde à maior parte, chegando a 38,6%. Dessa forma, os aumentos de preço nas refinarias costumam impactar no valor cobrado aos consumidores nos postos.
Qual o poder do presidente sobre a Petrobras?
Durante o governo Bolsonaro, a estatal preservou a política adotada com Temer. O próprio presidente afirmou que não teria o controle sobre esse preço e chegou a dizer que os lucros da companhia são um “estupro” que beneficiaria estrangeiros.
Por outro lado, segundo especialistas ouvidos pelo UOL, o presidente da República, de maneira indireta, pode interferir nos preços da companhia, já que pode indicar a maioria dos integrantes do conselho de administração, além do presidente da Petrobras.
Na atual composição do conselho, a União indicou seis dos 11 integrantes.
O coordenador geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Deyvid Bacelar, também avalia que Bolsonaro poderia influenciar na contenção dos preços para controlar a inflação, e isso tem base legal.
“O presidente da República pode e deve interferir na política de preços do Brasil. Por sinal, o preço do combustível é o maior fator de inflação, já que o combustível interfere em itens como alimentos e vestuário”, disse ao UOL. “A Petrobras tem papel social, e qualquer empresa com controle da União pode ser usada para defender o interesse público. Nesse caso, temos a questão da inflação.”
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