Três meses após o Ibama ter negado o pedido de licença da Petrobras para exploração de petróleo na Margem Equatorial Brasileira, o projeto segue em busca de autorização. Para especialistas, a estatal precisa apresentar mais estudos e respostas, como análise de possível impacto sobre o importante sistema recifal da Amazônia.
Próximo ao encontro do Rio Amazonas com o Oceano Atlântico, o sistema não é totalmente conhecido, explicam os cientistas, pois quase não havia registros até 2016. O grande corredor ecológico é fundamental para diversos serviços ecossistêmicos, e seu tamanho chegou a ser estimado em cerca de 56 mil quilômetros quadrados, semelhante ao estado do Rio. A cadeia dos pargos, por exemplo, que rende R$80 milhões anuais somente a Bragança (PA), depende desses recifes, área de alimentação dos peixes. Sua formação é de um recife mesofótico, com esponjas e algas e uma quantidade menor de corais do que os recifes tradicionais.
Procurada, a Petrobras respondeu que a perfuração não impactaria o sistema, a 200 metros do espelho d’água, pois o poço está a 2.880 metros de profundidade. A estatal acrescentou que o mapeamento não encontrou bancos de corais e algas no entorno da área de exploração e que modelagens matemáticas consideraram a dispersão do óleo.
O oceanógrafo Nils Asp, da Universidade Federal do Pará (UFPA) e o biólogo marinho Carlos Rezende da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF) explicam que o sistema recifal fica a 40 quilômetros do poço. Mas o principal problema do estudo apresentado pela Petrobrás é que a área costeira não foi considerada nas análises de impacto.
Em relação à intensidade da dinâmica de correntes e ondas, 40 quilômetros é nada — afirma Asp, que calcula que em até 11 horas é possível que uma mancha de óleo percorra essa distância, considerando uma velocidade média de 1 m/s, valor considerado padrão. — Não é uma distância tão grande, como à primeira vista parece. Outro problema da modelagem é que não foi considerado o processo de alteração do óleo com o tempo. Em dias, ele vira piche e decanta no fundo. Não é necessariamente o óleo da superfície que vai chegar. Em 2019, os piches de óleo que chegaram nas praias do Nordeste vieram de vazamento a centenas de quilômetros da costa.
Segundo Rezende, se algum acidente acontece “todo o sistema recifal será afetado”.
É uma área de correntes relativamente fortes. Se olhar a modelagem, disponível para consulta, em cinco dias a mancha de óleo chegaria à Guiana Francesa. Esse transporte de fundo poderia sim comprometer as áreas de formação recifal — reforça Rezende, que lamenta a ausência de estudos sobre esse sistema. — Temos uma lacuna muito grande de conhecimento daquela região. Hoje deveríamos estar discutindo a criação de mais um parque nacional, como Abrolhos. A formação recifal tem importância econômica muito grande, mas isso não está sendo considerado.
‘Risco tem que ser levado em conta corretamente’
Considerando a distância entre o poço e os recifes, a principal ameaça está numa possibilidade de acidente. Mas isso, destacam os cientistas, não é uma probabilidade desprezível. Segundo dados da Agência Nacional de Petróleo (ANP), já houve 95 perfurações na região, das queias 27 foram abandonadas por acidente mecânico (28,4%).
— Não quer dizer que a operação é inviável, mas o risco tem que ser levado em conta corretamente, e isso não está sendo considerado — explica Asp, que destaca a importância dos recifes para a produção pesqueira. – São grandes berçários para vertebrados e invertebrados marinhos. Os pargos se alimentam de pequenos peixes dos recifes.
Além do sistema recifal, os especialistas lembram que os estudos precisam considerar possíveis impactos a toda a área costeira, onde há importantes atividades dependentes da natureza, como cultivos e extração de açaí, caranguejo e ostras, envolvendo mais de 20 unidades de conservação e duas milhões de pessoas nessas cadeias produtivas.
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