O ex-governador Geraldo Alckmin não pertence mais aos quadros do PSDB. Não se sabe ainda se migra para o PSB, o PSD ou o Solidariedade. Vai depender do cargo que pretende disputar no ano que vem. Dá-se como bastante provável que possa compor a chapa com Luiz Inácio Lula da Silva, que já o derrotou na eleição presidencial de 2006. A conversa de que se estaria diante de uma contradição inexplicável desafia exemplos históricos de alianças bem-sucedidas entre, para ser genérico, progressistas e conservadores.
Se Alckmin vier a ser vice de Lula, não leva consigo um partido — até porque será novato na legenda –, mas é fato que agrega à chapa liderada pelo petista um tempero, vamos dizer, mais tradicionalista. Adversários vão querer explorar o que seria, então, uma composição exótica. O próprio governador de São Paulo, João Doria, pré-candidato do PSDB à Presidência, vai nessa linha. Afirmou em conversa com jornalistas:
“Vocês podem analisar. Mas alguém que, durante 33 anos, combateu o PT e, repentinamente, se associa ao PT, a classificação vocês é que devem fazer, e a opinião pública também.”
Pois é. Mundo afora, cumpre notar, fizeram-se alianças bem mais complexas, como o acordo do Partido Comunista da Itália com a Democracia Cristã, na década de 70, conhecido por “Compromisso Histórico”. A Concertacíon governou o Chile do fim da era Pinochet, em 1990, até 2010. Reunia, por exemplo, democratas cristãos e o Partido Socialista. Exerceu um papel crucial na normalização das instituições no país.
No Brasil, note-se, o próprio Lula acabou fazendo aliança, para governar, com partidos e lideranças que eram adversárias histórias do PT. O fato de Alckmin eventualmente compor uma chapa petista não deve ser tomado como um assombro. No Brasil e mundo afora, alianças desse tipo acontecem.
Quando Lula me concedeu uma entrevista, no começo de abril deste ano, restava claro que iria buscar apoio de partidos e lideranças de centro, o que, parece-me, faz sentido. As relações e os pactos políticos andam de tal sorte esgarçados, mediados unicamente por ações de chantagem envolvendo cargos e verbas do Orçamento, que se perdeu qualquer horizonte de uma governança virtuosa.
CUIDADO!
Doria deveria tomar cuidado ao fazer essa abordagem. Ele sabe que Alckmin deixa o PSDB depois de alguns dissabores. Viu o voto “BolsoDoria” prosperar em 2018 sem resistência do então candidato tucano ao governo de Estado, que ensaiara, diga-se, disputar ele próprio a condição de presidenciável do partido. Alckmin foi o padrinho da candidatura do agora governador à Prefeitura de São Paulo em 2016. Não tardou para que começassem a se distanciar. No auge do desgaste, o ex-afilhado trouxe para o PSDB, neste ano, o vice-governador Rodrigo Garcia, deixando claro ao ex-padrinho que este não teria como disputar o governo de São Paulo — não pelo partido ao menos. A Alckmin foi oferecida, no máximo, a vaga para tentar o Senado — uma empreitada de risco.
Fora do PSDB, muitos tapetes têm sido estendidos para o ex-governador. É grande a chance de que venha, efetivamente, a compor a chapa com Lula. Também desponta como o favorito para o governo de São Paulo. Encontra em outras legendas o reconhecimento que considera que lhe foi sonegado no partido de que é o fundador.
A TRAJETÓRIA DO PSDB
O PSDB, claro!, também mudou bastante. Aliás, uma ala da legenda, mais próxima de Sérgio Motta, FHC e José Serra — nunca foi a de Alckmin, diga-se — sempre manteve relações, ainda que crispadas às vezes, com as esquerdas. O ex-governador de São Paulo, vejam a ironia, era visto como uma espécie de “direita dos tucanos”. E assim foi por muito tempo. Foi o Alckmin mais identificado com os conservadores que garantiu a Doria a vaga de candidato a prefeito em 2016.
Que coisa! A história tem dessas estranhezas. Quando o PSDB tinha, de fato, um comando mais identificado com a social-democracia, a composição com o PT sempre se mostrou impossível. Os petistas não apoiariam as reformas que FHC queria fazer, e ele foi buscar suporte no PFL. E governou com o apoio do que hoje se chama “centrão”.
Quando o PT chegou ao poder, um PSDB ainda progressista resolveu ir para a oposição. E se iniciou, então, a disputa pelo passado: Lula dava sequência a fundamentos de governança do antecessor ou significava uma mudança radical? De qualquer modo, também o PT foi buscar apoio na direita para governar, tendo os tucanos como antípodas. O país teria ganhando — e muito! — se, naqueles passados, as duas legendas tivessem tentado construir uma nova hegemonia.
Não foi possível. O PSDB acabou, vamos dizer, se “endireitando”. E hoje existe uma ala na legenda que é, sem exagero, bolsonarista, o que faria Sergio Motta revirar no túmulo e causa horror a tucanos fundadores que ainda estão na ativa. Esse tucanato bolsonarizado — que nem tem memória da antiga legenda social-democrata — poderia estar em qualquer agremiação.
O FUTURO?
Que PSDB vai sair das urnas em 2022? Não se sabe. Se Lula for eleito, a legenda estará, mais uma vez, na oposição? Oposição de que qualidade? Caso Doria se torne presidente da República, não há dúvida de que os petistas estarão do outro lado. O pré-candidato, diga-se, deixa claro, desde já, que são o “outro campo”.
Se o governador for bem-sucedido, vira o comandante inconteste de um partido conservador, que guardará apenas uma pálida memória social-democrata. Se perder a disputa presidencial e também o governo de São Paulo, o PSDB estará em busca de um líder. Vamos ver que rumo toma, por exemplo, Eduardo Leite. Ainda que viesse a controlar o partido, poder-se-ia dizer: “Social-democracia nunca mais!”.
ENCERRO
Ironias da história: durante muitos anos, Alckmin foi um conservador num partido de viés progressista. Era quase um bolsão dentro da legenda. Agora que pouco resta daquela herança, o ex-governador tem de sair. E pode ser vice de Lula, o líder de esquerda que nunca conseguiu compor com os tucanos quando estes estavam mais… à esquerda!
Contradição? Tudo faz sentido. PT e PSDB não conseguiam compor porque ambos tinham projetos nacionais e queriam liderar em vez de ser liderados. A composição segue impossível. Mas uma das lideranças conservadoras se descola daquela legenda e pode ser vice de Lula. Justamente porque conservador.
Que venham compromissos e as concertações, dede que claras e legítimas. Serão sempre preferíveis à guerra permanente de todos contra todos.
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PS: Como se nota, no artigo acima, evidencio que uma eventual aliança entre Lula e Alckmin nada tem de tão excepcional. Mas deixou claro: não tenho a certeza que têm 9 entre 10 analistas de que isso vai acontecer. No lugar de Alckmin, eu escolheria disputar o governo de São Paulo. No lugar de Lula, buscaria um vice do setor produtivo.
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