Caro leitor, comecei te dando spoiler. É isso mesmo, todo projeto de poder autoritário morre no final. A tese não é minha, é de Paul Virilio, filósofo francês morto em 2018, que definia o fascismo como um Estado suicidário, pois em sua concepção, qualquer projeto fascista é inevitavelmente uma máquina de guerra que se apropriou do Estado, fazendo-o inevitavelmente sucumbir no final. Não há outra saída, a derrota final sempre chega para os cultores de regimes políticos que são verdadeiras fábricas de cadáveres.
É conhecida a história de que no final da Segunda Guerra Mundial, Hitler e seus asseclas flertavam não somente com suas próprias mortes (as suas inseparáveis cápsulas de cianureto mostram isso), mas também o da própria nação. No famoso telegrama 71, Hitler disse que “se a guerra está perdida, que pereça a nação”. Um líder totalitário não mede esforços para chegar ao poder, geralmente ele mente, usa a religião de forma instrumental, denuncia o descontentamento momentâneo e consegue catalisar as insatisfações prometendo combater a corrupção e trazer prosperidade para o seu povo. Uma vez no poder, aparelha o Estado de forma ideológica, começa a dar sinais de desequilíbrio, mostra seu lado perverso e intolerante e vai ficando evidente que seu script populista não encontra sustentação na realidade, daí começa a derrocada. Na tentativa de se manter no poder, ele não pensará duas vezes que, em sua visão embotada da realidade, a nação deve ser sacrificada para que seus projetos megalomaníacos sejam viabilizados. Apesar de tudo, a nação prevalece e o projeto de poder tresloucado sucumbe. Hegel dizia que “os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes”, Marx completou dizendo que ele “esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”.
Não tem jeito, o roteiro parece ser sempre o mesmo, não porque a histórica seja cíclica, mas porque a produção da vida material continua a mesma. Os personagens mudam, mas a base real é inalterável, está dada desde sempre. Já sabemos o final, por que nos preocupar então? Porque até o Estado suicidário sucumbir, toda nação sofre como se estivesse vivendo um pesadelo interminável, como estivesse passando por uma noite de longa duração extremamente triste.
Todas as vezes que me deparo com a metáfora do pesadelo, gosto de lembrar o que dizia o grande Jorge Luis Borges referindo-se aos nomes do pesadelo nos mais variados idiomas. Em grego a palavra usada é efialtes. Para os helenos, Efialtes é o demônio que inspira o pesadelo. Na cultura romana, aparece o incubus. O Incubo também é o demônio que oprime aquele que dorme e lhe inspira sonhos terríveis. Em alemão, a palavra é Alp, que veio a significar o Elfo, que também seria uma espécie de demônio que inspira o pesadelo. Costumo pensar que quando um povo está submetido a um projeto autoritário, seja ele realizado ou em curso, mesmo sabendo que tal Estado não prosperará, pois morrerá no final, o problema real deste povo é aquilo que o assombra e cria terríveis pesadelos numa noite que parece não ter fim. O que nos traz esperança é saber que toda noite ruim passa, todo demônio desaparece e todo pesadelo acaba, pois um novo dia ensolarado sempre chega.
Gerson Leite de Moraes, Doutor em Filosofia pela Unicamp, professor de Teologia na Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Sobre a Universidade Presbiteriana Mackenzie
A Universidade Presbiteriana Mackenzie está na 103º posição entre as melhores instituições de ensino da América Latina, segundo a pesquisa QS Quacquarelli Symonds University Rankings, uma organização internacional de pesquisa educacional, que avalia o desempenho de instituições de ensino médio, superior e pós-graduação. Possui três campi no estado de São Paulo, em Higienópolis, Alphaville e Campinas. Os cursos oferecidos pelo Mackenzie contemplam Graduação, Pós-Graduação Mestrado e Doutorado, Pós-Graduação Especialização, Extensão, EaD, Cursos In Company e Centro de Línguas Estrangeiras.
Em 2021, serão comemorados os 150 anos da instituição no Brasil. Ao longo deste período, a instituição manteve-se fiel aos valores confessionais vinculados à sua origem na Igreja Presbiteriana do Brasil.
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