O Ministério Público Federal recomendou que um hospital de Florianópolis interrompa a gravidez de uma criança de 11 anos, vítima de estupro.
A criança já deixou o abrigo em Florianópolis, onde estava como medida protetiva. Mais um capítulo em uma história com uma sequência de violências praticadas pelo Estado. É assim que juristas ouvidos pelo Jornal Nacional classificam o caso.
A menina foi estuprada quando tinha 10 anos e engravidou. A mãe a levou ao Hospital Universitário de Florianópolis, que se recusou a fazer o aborto, alegou que o protocolo interno só permite o procedimento até 20 semanas de gestação. A menina estava na 22° semana.
Na semana passada, o Ministério da Saúde publicou uma recomendação para que “gestações que ultrapassem 21 semanas e 6 dias, haja a manutenção da gravidez com eventual doação do bebê após o nascimento.”
Só que a legislação brasileira permite o aborto em casos de estupro e não determina limite de tempo ou necessidade de autorização. Com a negativa do hospital, a família da criança recorreu à Justiça de Santa Catarina.
Na audiência de maio, revelada pelo site The Intercept, a juíza Joana Ribeiro pergunta se a criança suportaria ficar “mais um pouquinho” com o feto na barria. A promotora Mirela Dutra Alberton foi na mesma linha e a juíza chega a perguntar se a menina já havia escolhido um nome para o bebê.
A ex-subprocuradora-geral da República e jurista Deborah Duprat afirmou que a criança foi vítima de uma violência institucional.
“Foi uma sequência de violências. Ela começa o seu trajeto em um hospital universitário, em um equipamento de saúde público, e esse hospital nega o aborto. Tanto a juíza como a promotora elas não tratam aquela criança como uma prioridade absoluta. Não há uma escuta qualificada, não há interveniência de um psicólogo que permita tornar aquele ambiente, não só mais acolhedor, mas mais inteligível. A criança não entende o que está sendo perguntado para ela. E a alternativa do aborto, ela não é apresentada”, afirma Deborah Duprat
Em Belém, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Cristiane Brito, disse que não sente vontade de comentar o caso porque não conhece o processo, mas afirmou que é necessário pensar em políticas públicas de combate à violência infantil.
“Ninguém está falando que a gente agora precisa parar e pensar onde nós erramos. Porque crianças com essa idade no Brasil todo estão sendo vítimas de estupro. Acho que o foco agora é cuidar dessa ‘mulher’”, diz a ministra Cristiane Brito.
A juíza Cristiana Cordeiro, presidente da Associação Juízes para a Democracia, critica o atendimento dado à criança e à mãe dela durante a audiência.recomenda
“Pensar em como o sistema de Justiça está realizando a oitiva de crianças e adolescentes, de uma forma violadora, e que a gente poderia chamar de revitimizadora, ou seja, ela já era vítima e passa a ser vitimada novamente por uma instituição que deveria ter o papel primordial de protegê-la. Que essa criança possa ter finalmente na sua convivência familiar, o seu direito de criança, de brincar, de estudar, de ser feliz, e é nossa obrigação enquanto sociedade proporcionar a essa menina tudo que foi privado dela até esse momento, inclusive pelo sistema de Justiça”, afirma Cristiane Cordeiro.
A juíza Joana Ribeiro e a procuradora Mirela Alberton não quiseram se manifestar.
O Hospital Universitário de Florianópolis afirmou que é referência na cidade para interrupção legal da gestação. Que segue as normas técnicas definidas pelo Ministério da Saúde. Que quando elas são ultrapassadas, orienta a família a recorrer na Justiça. E que sempre procura garantir a assistência e o direitos da criança.
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